Exercícios melhoram qualidade de vida


Pacientes com epilepsia de lobo temporal, submetidos a exercícios físicos aeróbios, conseguiram melhorar a sua qualidade de vida e a sua capacidade cardiopulmonar. Foi o que apontou estudo de mestrado desenvolvido pela pesquisadora Nathália Volpato. O trabalho, apresentado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM), incluiu um programa de atividades com duração de quatro meses, indicando que este tipo de exercício pode atuar como uma espécie de complemento ao tratamento medicamentoso tradicional.

“Os exercícios proporcionaram bem-estar e sugeriram ainda uma melhora da autoestima de seus portadores, que se sentiram mais confiantes para sair, se divertir e se sociabilizar”, constatou a autora da dissertação. “Reconhecemos que o tratamento da doença deva ir além dos tratamentos convencionais, medicamentosos e cirúrgicos, e medidas alternativas devem ser incorporadas para a melhora do bem-estar emocional desses pacientes”, pontuou.

A epilepsia de lobo temporal é uma estrutura central responsável pela regulação da memória e da emoção, localizada na parte lateral do cérebro. Segundo a pesquisadora, pessoas com esse tipo de epilepsia – o grupo mais comum de epilepsias em pacientes adultos – que julgam que a doença está controlada conseguem ter uma melhor qualidade de vida, a despeito dos episódios das crises, em comparação às que não têm essa sensação. Sessenta e cinco por cento dos 79 pacientes recrutados na pesquisa apresentavam de uma a cinco crises por mês e, apesar delas, 77% julgavam ter sua epilepsia controlada.

Orientado pelo neurologista e docente da FCM Fernando Cendes, o estudo também indicou que os pacientes que têm vida ativa, que praticam atividade física de lazer, que usufruem de uma vida social, que trabalham e que desempenham tarefas domésticas apresentam maior qualidade de vida em relação aos sedentários. Nathália apurou que as pessoas com epilepsia possuem uma menor capacidade física, muito provavelmente porque são mais inativas que a população em geral. 

Intervenção
A pesquisa aconteceu no Ambulatório de Epilepsia do Hospital de Clínicas (HC) com 79 voluntários (com idade entre 40 e 60 anos), sendo dez deles selecionados para participar do programa de exercício físico. O grupo seguiu um roteiro de exercícios duas vezes por semana até chegar a uma hora de caminhada em intensidade aeróbia (numa faixa de 60% a 75% da frequência cardíaca com a máxima do indivíduo). 

Nathália analisou, além da qualidade de vida através de questionários, a capacidade cardiopulmonar desses pacientes por meio do teste cardiopulmonar de esforço máximo, realizado em esteira na Disciplina de Cardiologia do HC. Tal teste mostra a capacidade física máxima que o paciente é capaz de atingir em relação à parte cardiológica e à parte pulmonar. 

“O objetivo da pesquisa foi verificar se melhoraria a qualidade de vida e a saúde geral dos pacientes, pois existem estudos sinalizando que o portador de epilepsia apresenta maior risco de apresentar comorbidades como diabetes, sedentarismo, hipertensão”, ressaltou.

Os resultados foram ainda medidos por meio de um questionário de qualidade de vida antes (quando eram sedentários) e depois da intervenção (quando passaram a se exercitar), que comprovaram ser estatisticamente significativos.

Os achados revelaram que 43 pacientes avaliados praticavam educação física na infância, mas que esse número diminuiu para 29 na adolescência. Vinte e dois acreditavam que a atividade física precipitava as crises epiléticas: 12 deles relataram ter crise durante alguma atividade física. As medicações mais frequentemente usadas pelos voluntários foram a carbamazepina e o clobazam. 

Os pacientes que trabalhavam demonstraram uma melhor qualidade de vida, a qual se relaciona com fatores como a saúde, o bem-estar físico, funcional, emocional e mental, bem como terem ligação com a família, trabalho, amigos, entre outros aspectos do cotidiano. 

De acordo com a mestranda, não existem praticamente estudos abordando a importância do exercício físico em modelos humanos. São mais comuns comparativos com os hábitos de atividade física em relação à população em geral. Na literatura, são mencionados apenas quatro estudos, todos conduzidos fora do Brasil. Nenhum trabalho havia relatado no país os benefícios das pessoas que fizeram exercício físico específico de caminhada em intensidade individualizada. 

Entraves
A epilepsia é hoje encarada como um quadro crônico, ainda que o paciente apresente poucos episódios. Logo, o sentimento deles com relação à epilepsia é de que essa síndrome nunca vai acabar. Vivem com medo constante, preocupação de saírem, de manifestarem o problema e de se machucarem. 

Quando a crise de epilepsia de lobo temporal ocorre, alguns sinais exteriores podem ser bem reconhecidos pelas pessoas que os presenciam. As crises normalmente têm curta duração: de 30 segundos a poucos minutos e, sendo superiores a cinco minutos, é necessário pronto atendimento médico. 

Após a crise, comentou Nathália, os sintomas não desaparecem rapidamente. Devido à perda de consciência, a pessoa continuará confusa e com dificuldade de se expressar por alguns minutos, enquanto tenta entender o que houve. É comum não se lembrar de nada. 

Os pacientes com epilepsia têm uma série de problemas, e a enfermidade é altamente estigmatizada. Muito disso, a autora da dissertação atribui às informações pouco elucidativas sobre o que é a epilepsia. “Por essa razão, esses pacientes costumam ter vergonha e são alvos de preconceito”, frisou.

Nathália contou que, mesmo atualmente, o tratamento medicamentoso continua produzindo muitos efeitos colaterais, por ser indicado em geral para abaixar a atividade cerebral, a fim de não levar à epilepsia – que é a descarga elétrica excessiva e anormal que interrompe transitoriamente a função cerebral normal.

Nos pacientes estudados, essa eletricidade excessiva começa no lobo temporal mas, como estão sob efeito de medicamentos, geralmente têm apenas epilepsia parcial. Não estando na vigência de medicação, esse desbalanço da atividade cerebral pode se generalizar para o cérebro como um todo. “Então é preciso ingerir fármacos para diminuir tal atividade, mantendo-a normal. Só que os medicamentos, muitas vezes, os deixam sonolentos, desanimados, dentre outros efeitos colaterais, como ganho de peso e perda óssea”, salientou.

É certo que pacientes com epilepsia lidam com diversos comprometimentos e com risco elevado de apresentar depressão, transtornos de humor, psicose, surtos de ansiedade e até mesmo comprometimento de cognição, com maiores risco de morte súbita, devido a fatores fisiológicos da doença e a fatores externos e sociais, descreveu Nathália. 

Conforme a literatura, o estudo da neuropsiquiatria da epilepsia de lobo temporal pode auxiliar na elaboração de programas que visem uma melhor qualidade de vida dos pacientes mediante o adequado diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais associados a esta síndrome epilética. E as caminhadas podem se impor como uma importante possibilidade de amenizar o quadro. 

A epilepsia como um todo atinge de 1% a 2% da população mundial, chegando a atingir cerca de 60 milhões de pessoas, apontam dados recentes da Organização Mundial da Saúde. 

No doutorado, Nathália pretende conhecer os mecanismos do exercício físico que levam à melhoria da qualidade de vida – o que acontece no cérebro do paciente ao começar a praticar exercício físico. De acordo com ela, o exercício físico moderado pode trazer benefícios para várias doenças crônicas, principalmente as relacionadas ao coração, comentou.

Texto: ISABEL GARDENAL
Fotos: Divulgação
Antonio Scarpinetti