HC participa de pesquisa em prol de crianças traqueostomizadas


Médicos otorrinolaringologistas e pediatras da Unicamp participaram de uma ação pioneira para a criação do primeiro consenso nacional sobre cuidados com crianças portadoras de traqueostomia. O trabalho foi realizado em conjunto pela Disciplina de Otorrinolaringologia e o Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), a Academia Brasileira de Otorrrinopediatria (ABOPe) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Hoje o HC realiza cerca de 20 atendimentos por semana de crianças traqueostomizadas em ambulatório especializado em via aérea pediátrica.

A elaboração de um consenso é uma resposta à falta de padronização dos cuidados com pacientes infantis traqueostomizados e a enorme dificuldade dos profissionais de saúde do país em lidar com esta condição. O Hospital de Clínicas da Unicamp é um dos três centros do país que realizam diagnóstico e tratamento de forma sistemática em pacientes pediátricos. No Brasil, em 2016, cerca de 17500 traqueostomias foram realizadas em hospitais públicos, no entanto, ainda não há dados sobre a porcentagem realizada na população pediátrica.

A traqueostomia é uma intervenção cirúrgica que consiste na abertura de um orifício (estoma) na traquéia e na colocação de uma cânula (pequeno tubo) para facilitar a chegada de ar aos pulmões, quando existe alguma obstrução no trajeto natural. É um procedimento realizado em pacientes, de qualquer faixa etária, submetidos a intubação e ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva.

Para a professora Rebecca Maunsell, responsável pelo setor de Otorrinopediatria do HC e uma das idealizadoras da ação, a expectativa é que a padronização seja aceita e estabelecida pelo Ministério da Saúde como uma diretriz a orientar o cuidado à criança traqueostomizada no Sistema Único de Saúde (SUS) e em outros serviços de saúde do país. “Apesar da alta complexidade dos procedimentos, ainda enfrentamos dificuldades, como falta de custeio para a troca de cânulas de traqueostomia, que ocorrem, no mínimo, três vezes por ano”, explica Maunsell.

Rebecca esclarece que quando a criança vai embora com a traqueostomia, a mãe não leva para casa uma de reserva. No consenso, diz, é proposto oferecer um kit de segurança para proporcionar maior tranquilidade às mães que já enfrentam tantas dificuldades. “O grande risco é a criança pequena perder essa cânula em casa e ela não possuir ferramentas adequadas para solucionar o problema”, salienta a médica.

Entre o consenso de melhores práticas está também a indicação do tipo de cânula mais apropriado à crianças, técnicas cirúrgicas mais seguras, além de técnicas de decanulação, aspiração e higienização, que podem ser seguidas por profissionais da saúde, pais e cuidadores em todo o país. A criação de equipes de cuidados específicos também mostrou otimizar os cuidados e pode potencialmente reduzir não só os custos hospitalares, mas também o sofrimento do paciente e cuidadores.

Traqueostomia na infância
Cerca de 20 a 30% das crianças com traqueostomia foram prematuras extremas e permaneceram muito tempo intubados em UTIs. Como consequência deste longo período, uma estenose laringotraqueal (espécie de cicatriz na via aérea) se forma, e impede a passagem do ar.

“A cirurgia para correção da estenose é feita no mundo há muito tempo, mas no Brasil a prática tem sido executada mais nos últimos anos. No HC da Unicamp, a cirurgia para correção da estenose é feita desde 2008. Hoje em dia 12 cirurgias de reconstrução laríngea são realizadas por ano em nosso hospital”, exalta Maunsell.

Portanto, para esses pacientes é essencial a existência de parâmetros e condutas de cuidado bem estabelecidos que diminuam e evitem lesões e complicações de uma traqueostomia. “A traqueostomia e lesões da laringe repercutem muito na vida do paciente e da família, já que a criança é privada de atos simples, como ir à escola, tomar banho de corpo inteiro, não ficar submerso em piscina, mar, e tão pouco brincar onde haja partículas de areia. Além de todas as restrições, essa criança precisa ser assistida 24h por dia para procedimentos como cuidar da cânula, desobstruir caso tenha muco e aspiração da cânula”, explica.

Em recente levantamento realizado pela Unicamp em parceria com Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos anos de 2013 a 2015, foi apontado que as crianças ficaram, em média, 432 dias com a traquestomia e essa condição repercute de maneira impactante na vida das famílias.

A médica também salienta sobre uma nova pesquisa em andamento que avalia a qualidade de vida dos cuidadores das crianças com traqueostomia, e explica que o fato de a criança ter uma traqueostomia muda toda a dinâmica da família, já que, em muitos casos, os pais saem do emprego para cuidar da criança, e acabam enfrentando, além de dificuldades financeiras, repercussões psicológicas com a nova realidade.

Metodologia
Participaram do projeto especialistas de todo o Brasil com experiência em traqueostomia na infância (otorrinolaringologistas, pediatras intensivistas, endoscopistas, pneumopediatras e cirurgiões toráxicos) que tivessem comprovada atuação prática no assunto, seja através de publicações consistentes sobre o assunto, ou praticando serviços de referência no país

Um questionário contendo 43 perguntas de múltipla escolha foi preparado para ser respondido pessoalmente sem divulgação prévia aos participantes. As questões para as quais houve um acordo de mais de 50% dos participantes em relação à resposta foram consideradas como um consenso. Quando nenhuma das respostas obteve um acordo de 50%, os resultados foram apresentados para cada pergunta e as considerações foram discutidas pelo grupo.

Durante o consenso, também foi necessário elaborar diretrizes relacionadas à prática diária referente ao uso de válvulas fononárias, complicações, indicação de fonoaudiologia e atendimento em atividades escolares ou nas creches, além de cuidados e recomendações com a aspiração e até uma lista com os materiais mínimos necessários que a família precisa ter disponíveis em casa.

O HC possui ambulatório dedicado ao atendimento dessas crianças que funciona toda quarta-feira, das 13h30 às 16h30.

Caius Lucilius com Juliana Castro – Assessoria de Imprensa HC