Estudo detecta modificações em células do coração


Reportagem da Revista Pesquisa Fapesp revelaram que as imagens de ressonância magnética podem ser uma ferramenta útil para o diagnóstico precoce de mínimas alterações cardíacas causadas pela obesidade crônica e por outros problemas de saúde. Por estarem em um estágio ainda muito inicial, essas transformações não são detectadas pelos exames empregados usualmente para avaliar o estado do coração, como o eletrocardiograma e a ecografia.

Ao lado de colegas da Universidade Harvard, Estados Unidos, onde concluiu o mestrado há cinco anos, o cardiologista Otávio Rizzi Coelho-Filho, hoje professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), desenvolveu um novo protocolo de uso dessa técnica que identifica dois tipos de modificações sutis no músculo cardíaco: o aumento do tamanho de suas células e a quantidade de fibrose intersticial, tecido rico em colágeno que se forma nos espaços existentes entre as células e dificulta o funcionamento do coração.

Essas alterações ocorrem no âmbito subcelular, antes que o formato do coração apresente variações visíveis. Nesse estágio, em linhas gerais, o músculo cardíaco ainda está funcional e parece completamente são, mas, em seu interior, abriga sinais de uma nascente degeneração. “Apenas com a ressonância conseguimos ver que o coração não está totalmente saudável enquanto os demais métodos de diagnóstico mostram que o órgão está normal”, explica Coelho-Filho, que faz parte da equipe do Centro de Pesquisas em Obesidade e Comorbidades (OCRC, em inglês), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.

A hipertrofia celular e a difusão da fibrose são fatores que aumentam o risco da ocorrência de arritmias cardíacas, de infarto e até de morte súbita. As imagens de ressonância são o único método não invasivo capaz de detectar simultaneamente as duas modificações, segundo o pesquisador da FCM. Atualmente, a fibrose intersticial só é constatada por meio da biópsia do tecido cardíaco, uma técnica invasiva e difícil de ser empregada.

Por meio da obtenção de múltiplas imagens das fibras do miocárdio que formam uma espécie de filme do funcionamento do coração, o exame de ressonância magnética permite calcular o tamanho das células do músculo cardíaco e a quantidade de fibrose. Quanto maior a dimensão das células e mais disseminada a ocorrência de colágeno, maior o dano. Nos testes, os pesquisadores realizam medições antes e depois da administração de gadolínio, elemento químico usado como contraste na ressonância magnética.

O gadolínio não penetra nas células cardíacas e se espalha pelo espaço extracelular, onde se forma a fibrose intersticial. Pelo espalhamento do contraste, é possível ter uma ideia da extensão da área com colágeno. Outro parâmetro analisado é o tempo gasto pelas moléculas de água para atravessar as células do miocárdio. Tempos maiores indicam células mais avantajadas, sinal de alguma alteração em curso.
 
Ataxia e Chagas
Para o médico Wilson Nadruz, professor da Unicamp que participa dos estudos com ressonância magnética cardíaca, o novo protocolo de uso dessa técnica permite a identificação precoce do remodelamento cardíaco antes do desenvolvimento de alterações mais expressivas na forma e no funcionamento do coração. “Poderíamos identificar alterações cardíacas que potencialmente seriam total ou, ao menos, parcialmente reversíveis se tratássemos as doenças de base, como obesidade e diabetes”, diz Nadruz, que orientou a tese de doutorado sobre o tema defendida em 2013 por Coelho-Filho. “Com base nos dados obtidos até o momento com essa metodologia, a hipertrofia celular parece ser um evento ainda mais precoce que a fibrose intersticial.” Geralmente existe uma correlação entre fibrose e hipertrofia, mas os dois processos não estão necessariamente relacionados.

Nos últimos anos, Coelho-Filho tem testado a metodologia em camundongos e em seres humanos obesos ou com outras doenças que provocam danos ao coração. Um de seus trabalhos mais recentes foi com indivíduos que sofrem de ataxia de Friedreich, doença neurodegenerativa de origem genética que dificulta a coordenação dos movimentos e provoca problemas no coração e, às vezes, diabetes. Insuficiência cardíaca é a causa mais comum de morte entre esses pacientes. Os pesquisadores do Cepid empregaram o novo protocolo para verificar a presença de fibrose e o tamanho das células cardíacas em 27 pacientes com a doença e 30 indivíduos sadios, que funcionaram como grupo-controle.

Nos exames de ressonância, os índices referentes à ocorrência de fibrose e à expansão do volume e da área das células cardíacas nas pessoas afetadas com a ataxia foram maiores do que nos indivíduos normais. O estudo foi publicado em janeiro no Journal of Cardiovascular Magnetic Ressonance.

Os exames de ressonância magnética do coração não são empregados rotineiramente, mas podem ser úteis para acompanhar as primeiras alterações nas células do miocárdio de pacientes com doenças que, cedo ou tarde, como a ataxia de Friedreich, provocam danos no músculo cardíaco. Professor do setor de ressonância magnética e tomografia computadorizada cardiovascular do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), o médico Carlos Eduardo Rochitte pesquisa o uso dessas técnicas em pacientes com a doença de Chagas, que sofrem de uma inflamação no coração causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi.

Em um grupo de 20 indivíduos com a chamada forma indeterminada da doença – portadores do patógeno que estão clinicamente sadios e sem sintomas ou alterações ocasionados pelo Chagas –, Rochitte verificou, com a ressonância magnética, que 30% deles já apresentavam fibrose intersticial. “A técnica é boa para quantificarmos essas alterações em um estágio precoce”, opina Rochitte, cujos estudos são financiados em parte pela FAPESP.

“Contudo, ainda não sabemos qual a relevância clínica desses dados para os pacientes de Chagas. Será que a presença de fibrose nesses portadores do protozoário quer dizer que eles devem começar a manifestar os sintomas da doença em breve?”, pergunta. Essa é uma das questões, ainda sem resposta, que estão sendo estudadas pelo pesquisador do InCor.

Marcos Pivetta – Revista Pesquisa Fapesp