Procedimento ainda não é oferecido pelo SUS
A área de cardiologia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp deu um grande passo na direção de intervenções no coração sem a necessidade de cirurgia aberta. Um paciente de 71 anos foi submetido a um procedimento via percutânea e endovascular para o fechamento de uma fístula de aorta com o átrio direito do coração. O procedimento durou cerca de duas horas. Após 48 horas, o paciente teve alta e pode passar o Natal junto com a família.
O paciente foi encaminhado ao HC da Unicamp para investigação de um recente sopro no coração e com sinais de perda rápida e progressiva da capacidade do coração bombear sangue de forma adequada. O caso foi avaliado pelas equipes da cardiologia, juntamente com a equipe de ecocardiografia do hospital, e constatou-se que o paciente tinha uma fístula – uma comunicação anormal – entre a artéria aorta e o átrio direito do coração.
“Essa comunicação normalmente não existe, e quando ocorre de forma abrupta, como no caso do nosso paciente, isso provoca uma grave descompensação da circulação dentro do coração”, explica o cardiologista Silvio Gioppato, responsável pela equipe da cardiologia intervencionista do HC da Unicamp que liderou a cirurgia.
A fístula é uma ocorrência pouco frequente que pode ter múltiplas causas, algumas desconhecidas, outras congênitas em que o paciente tem uma fragilidade numa determinada região – artérias, veias, intestino – e ao se romper permite a comunicação entre duas regiões que normalmente não se comunicam. A fístula também pode ser causada por traumatismos de alta energia, como acidentes de carro ou moto ou decorrente de uma infecção.
Pela idade do paciente e a grave disfunção cardíaca, o risco de uma cirurgia convencional seria arriscado. Apesar da taxa de mortalidade não ser elevada (5%) em cirurgias abertas para correção de fístulas, o risco de recidiva varia de 20% a 30% dos casos exigindo reintervenções pós-cirúrgicas. “Provavelmente porque um ponto solta ou a sutura não fica adequada e o cirurgião não consegue ver isso na hora. Daí, depois um tempo, a fístula pode voltar”, comenta Gioppato.
Procedimento é realizado por punções na pele
Após criteriosa análise utilizando métodos ecotransesofágico e tomografia, as equipes envolvidas no diagnóstico do paciente – cardiologia clínica, ecocardiografia, cirurgia cardíaca e cardiologia intervencionista – optaram pelo procedimento percutâneo. A técnica permite tratar fístulas cardíacas com a utilização de dispositivos de oclusão desenhados para fazer a correção de defeitos intracardíacos congênitos.
O procedimento é feito através da pele. São feitas duas punções, uma numa artéria e outra numa veia localizada na virilha. Através do trajeto da fístula é feito uma alça com um fio guia que vai do lado venoso para o lado arterial do coração. Por cima desse fio, entrando pelo lado venoso, é colocado um introdutor com quatro milímetros de diâmetro por onde os cirurgiões levam o dispositivo até o local da fístula. Ao ser liderado no local, o dispositivo em forma de dois guarda-chuvas, se abre e fecha a fístula, interrompendo a comunicação anormal entre a aorta e o átrio direito.
Imagem de cateterismo Prótese ocluindo a f´ístula
De acordo com Gioppato, esse foi um procedimento emblemático da cardiologia do HC da Unicamp, uma vez que foram reunidos num mesmo ambiente as equipes da cardiologia intervencionista, cirúrgica e clínica, da anestesia, da radiologia e da ecocardiografia, além da superintendência, que autorizou a compra do dispositivo para a realização da cirurgia.
Apesar a técnica não fazer parte do rol de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), a área de defeitos intracardíacos vem crescendo muito nos últimos anos e várias correções já fazem parte das indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o cardiologista do HC da Unicamp, a tendência é que esses defeitos de comunicação do coração sejam tratados num futuro próximo, principalmente, pela via percutânea e não mais pela via cirúrgica.
“Não era um procedimento de rotina. Avaliamos e decidimos que o caso era adequado para o fechamento percutâneo. Recentemente, o paciente passou pelo ambulatório de cardiologia e estava sem nenhum sintoma de insuficiência cardíaca, o que confirma a eficácia desse tipo de cirurgia já utilizada em hospitais da rede privada”, revela Gioppato.
Texto: Edimilson Montalti – Núcleo de Comunicação HC Unicamp
Imagem e Fotografia: Equipe cardiologia HC Unicamp