Pesquisa traça perfil de crianças vítimas de acidentes com cães em Campinas e região


Estudo analisou 1.012 atendimentos na emergência pediátrica do HC da Unicamp

Acidentes envolvendo cães são muito comuns, principalmente em crianças. Além de ferimentos agudos, as agressões por cães podem causar fraturas, infecções, cicatrizes e traumas psicológicos. A médica pediatra Michelle Marchi de Medeiros analisou todos os atendimentos de crianças de 0 a 14 anos vítimas de agressões por cães realizados na Unidade de Emergência Referenciada Infantil do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2019.

As informações incluídas no estudo foram coletadas das fichas de atendimento do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campinas (CIATox), responsável pela aplicação dos imunobiológicos antirrábicos nas vítimas de mordeduras de cães.

“Verificamos que as crianças mais novas sofrem mais lesões localizadas na cabeça e pescoço, provocadas em acidentes que ocorrem com cães de contato habitual, dentro da própria casa, por causa provocada, dependente da interação da criança com o animal.  À medida que a idade aumenta cresce o número de lesões localizadas em membros superiores e inferiores, como braços e pernas, em ataques de causa acidental, em ambientes externos”, diz Michelle.

De acordo com o estudo, foram identificados 1.012 atendimentos no período analisado. Crianças do sexo masculino foram mais acometidas (65,2%) que as do sexo feminino (34,8%) em acidentes envolvendo cães. As lesões ocorreram mais na faixa etária de sete a 14 anos, representando 498 pacientes (49,2%), seguida pelas faixas etárias de quatro a seis anos com 268 pacientes (26,5%) e crianças de zero a três anos com 246 pacientes (24,3%). A maioria dos ferimentos estava localizada na cabeça ou pescoço (37,4%).

A causa da maior parte dos ataques dos cães foi acidental (64,9%) em todas as faixas etárias. A raça do cão estava descrita em 49,4% das fichas de atendimento. Foram documentadas, no total, 26 raças e os animais sem raça-definida (SRD) foram os mais comuns (36,2%), seguidos pela raça Pit Bull (3,6%), Pastor Alemão (1,4%) e Poodle (1,3%).

Os acidentes foram causados por cães sadios (55,3%) e domiciliados (44,5%). Em 394 (38,9%) casos, os cães eram não domiciliados; em 143 (14,1%) eram semi-domiciliados e em uma pequena porcentagem a procedência do cão não foi descrita (2,5%). A maioria dos acidentes ocorreu em ambiente externo (68,2%). Em 31,5% casos, os ataques se deram na própria casa da criança e em cinco 0,5% dos atendimentos o local do acidente não foi descrito.

Lesões localizadas na cabeça e pescoço foram as mais prevalentes (37,4%) de acordo com o estudo, seguidas por lesões em membros superiores (34%), membros inferiores (27,9%), tronco (9,4%) e mucosas (1,4%). As lesões em cabeça e pescoço ocorreram mais frequentemente em crianças mais jovens (61,4%). As lesões em membros superiores e inferiores foram mais descritas na faixa etária de sete a 14 anos (36,5% e 42,6%, respectivamente). Na faixa etária de quatro a seis anos, os ferimentos na cabeça e pescoço foram descritos em 47,4% casos e, na faixa de sete a 14 anos, em 20,1% casos.

As lesões de membros superiores estavam presentes em 76 (30,9%) crianças com idade de zero a três anos e em 86 (32,1%) crianças com idade de quatro a seis anos. Os ferimentos localizados em membros inferiores foram relatados em 8,5% das crianças com idade de zero a três anos e em 18,3% das crianças com idade de quatro a seis anos.

Em relação ao tipo de exposição, independente da localização do ferimento, as mordeduras foram as mais frequentes, sendo relatadas em mais de 78% dos casos em todos os seguimentos do corpo, seguidas das arranhaduras e lambeduras.

Quanto ao tipo de lesão, as profundas foram descritas em mais de 84% dos casos nos diferentes seguimentos do corpo. Lesões dilacerantes foram relatadas com mais frequência na cabeça e pescoço, sendo 29 (7,7%) casos, seguidas por 14 (5,0%) casos em membros inferiores e sete (2,0%) casos em membros superiores.

“Esta é uma das únicas pesquisas que avalia as diferenças entre os acidentes com cães em diversas faixas etárias em pediatria no Brasil. Sem dúvida, ocorrem muitas mordeduras de cães que não chegam às unidades de emergência dos hospitais terciários. As crianças maiores sofrem mais ferimentos por cães não-passíveis de observação. Isso implica na necessidade de uso de imunobiológicos para prevenção da raiva, gerando custos aos serviços de saúde de Campinas”, alerta a pediatra do HC da Unicamp.

Artigo publicado

A pesquisa foi conduzida dentro do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A orientação foi da professora, Andrea Melo de Alexandre Fraga e a coorientação foi do professor Ricardo Mendes Pereira, ambos do Departamento de Pediatria da FCM.

A dissertação de mestrado resultou também no artigo científico Perfil epidemiológico dos acidentes com cães em menores de 14 anos atendidos na Unidade de Emergência Referenciada Pediátrica de um hospital terciário em Campinas. O artigo foi publicado a revista Frontiers in Pediatrics.

Esse artigo teve a análise e interpretação dos dados, escrita e revisão de Fernando Augusto Lima Marson e Leonardo Souza Marques, ambos do Laboratório de Genética Médica e Genética Humana, Ciências da Saúde, Universidade São Francisco, além de Michele e Andrea e Andressa Oliveira Peixoto, do Departamento de Pediatria.

De acordo com Andrea Fraga, orientadora da pesquisa, os acidentes com cães representam um grande problema de saúde pública nos países em desenvolvimento.

“Esses dados são úteis para o desenvolvimento de medidas preventivas direcionadas a cada faixa etária da pediatria, incluindo orientação dos pais, tutores de cães, crianças maiores e desenvolvimento de políticas públicas buscando o controle da população animal abandonada nas ruas e incentivo à posse consciente de animais domésticos”, recomenda Andrea.


Texto: Edimilson Montalti – Núcleo de Comunicação HC Unicamp
Fotografia: Arquivo HC Unicamp