Trabalho liderado por geneticista da Unicamp que dá nome à doença rara é premiado em congresso


Síndrome foi identificada em pacientes atendidos no HC da Unicamp

O médico geneticista do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp Carlos Eduardo Steiner e pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp receberam o prêmio Prof. Antônio Richieri da Costa, concedido ao melhor trabalho apresentado no 34º Congresso Brasileiro de Genética Médica, na categoria tema livre. O prêmio foi dado a um estudo abordando a caracterização genético-clínica de pacientes com a síndrome de Wiedemann-Steiner atendidos no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade. Liderado por Steiner – que dá nome à síndrome -, o artigo relatou o processo de descrição da doença, realizado em uma época na qual não havia os recursos para pesquisas atualmente disponíveis.

A síndrome  de  Wiedemann-Steiner, identificada na década de 1990, é causada por alterações no gene KMT2A, que desempenha um papel essencial na regulação da expressão gênica durante o desenvolvimento fetal e a formação de células sanguíneas. Entre os seus principais sintomas está o atraso no desenvolvimento físico, motor e cognitivo dos pacientes, além da presença de sinais faciais distintos, diminuição do tônus muscular, dificuldades alimentares e produção excessiva de pelos.

Em 1993, quando estava no primeiro ano do programa de residência em Genética Médica da Unicamp, Steiner recebeu o caso de uma criança com essas características, mas, naquela época, a comunidade médica ainda não conhecia a síndrome. Ao consultar o Atlas de Síndromes Clínicas Dismórficas, de autoria do médico alemão Hans-Rudolf Wiedemann – o outro pesquisador que dá nome à doença –, Steiner encontrou a descrição do caso de um menino com condições bastante semelhantes às de sua paciente, o que o levou a solicitar a opinião do cientista europeu.

“Naquela época, usávamos uma mídia social chamada carta”, brinca o especialista. “Era o jeito que a gente tinha para se comunicar. Ele respondeu uma semana depois com uma carta manuscrita, na qual afirmava que realmente havia muitas semelhanças entre as duas crianças e que ele acreditava tratar-se de uma nova doença”, lembra Steiner.

Em 2000, após ter atendido por anos a paciente brasileira e ter realizado exames adicionais, o pesquisador escreveu, em parceria com sua então orientadora, Antonia Paula Marques de Faria, um relato em um periódico especializado da área. Logo em seguida, a condição entrou no catálogo da Online Mendelian Inheritance in Man, uma base de dados responsável por catalogar todas as doenças humanas que tenham uma componente genética. No entanto, somente em 2010 a síndrome passou a ser denominada com o sobrenome de seus descobridores, por sugestão de um grupo de cientistas da área.

A partir de 2012, com a descoberta do gene causador dessa condição, começou a crescer o número de casos identificados no mundo. Somente o serviço de Genética Clínica do HC da Unicamp já recebeu seis pacientes com essa condição – alguns deles sem as características típicas que levaram à detecção inicial da doença. Além disso, dois grandes trabalhos internacionais realizaram estudos de caso desses pacientes. O primeiro, na França, acompanhou 33 crianças diagnosticadas com a doença, enquanto o segundo reuniu 104 pessoas de países da América do Norte, da Europa, da Austrália e do Oriente Médio.

Levantamento de casos

A síndrome de Wiedemann-Steiner é uma doença rara, com um caso para cada 1 milhão de pessoas, de acordo com as projeções dos especialistas. Steiner diz, contudo, que o número de casos ainda vai aumentar muito em todo o mundo devido à emergência de novas tecnologias para a detecção da doença, processo iniciado há 15 anos.

“Antigamente, nós só conseguíamos realizar um diagnóstico clínico dessas pessoas observando as características físicas do paciente. Agora, passamos a contar com exames mais sofisticados, popularmente chamados de mapeamento genético, que leem o exoma e o genoma dessas pessoas e identificam as alterações existentes”, explica.

Frente a esse aumento no número de casos da síndrome, Steiner passou a orientar a médica Ana Mondadori dos Santos em uma tese de doutorado que inclui um levantamento nacional dos pacientes acometidos pela condição. Para tanto, têm sido utilizadas informações do banco de dados da Rede Nacional de Doenças Raras – um projeto multicêntrico financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério da Saúde. Sua execução abrange 40 serviços de saúde públicos de todas as regiões do Brasil, incluindo a Unicamp, com o objetivo de coletar dados epidemiológicos, clínicos e terapêuticos da população acometida por essas doenças.

O levantamento das informações no banco de dados deverá durar cerca de seis meses, mas, como esse arquivo engloba apenas instituições públicas, será preciso estabelecer critérios para obter informações de hospitais particulares.

“Não vamos acessar as informações do paciente porque isso quebra o sigilo médico, mas o banco de dados pode nos informar que um determinado profissional em uma cidade específica tem uma amostra positiva para a síndrome. Nós entraremos em contato com o médico, que, por sua vez, pedirá autorização da família do paciente para compartilhar os dados”, assegura.

O HC da Unicamp é um serviço de referência para doenças raras na região. Ao integrar o projeto da Rede Nacional de Doenças Raras e fazer o levantamento de pacientes com a síndrome, a intenção é prestar assistência à população e criar uma rede nacional de pesquisadores que fomente parcerias e incentive o avanço científico, a exemplo do que ocorre na América do Norte e Europa.

De acordo com Steiner, quando o diagnóstico na área de genética era realizado clinicamente, o Brasil competia de igual para igual com o restante do mundo. No entanto, desde que as novas ferramentas tecnológicas surgiram, o país começou a ficar defasado em razão do custo dos exames que, hoje, estão restritos às instituições de pesquisa e aos grandes laboratórios comerciais que dispõem de um parque tecnológico mais adequado. Além desses fatores, a burocracia excessiva atrasa a importação dos equipamentos e reagentes necessários.

“É muito ruim competir com quem está no exterior com essas tecnologias. Mas agora esse gargalo pode ser, em parte, solucionado porque o Ministério da Saúde quer ampliar de 8 mil para 10 mil o número de pacientes em outro grande projeto nacional, o Projeto Genomas Raros. Então, a gente está integrado com grandes iniciativas nacionais, com apoio e financiamento governamental e com a ideia de criar um multicentro nacional. Às vezes nós temos aqui uma doença rara, com poucos pacientes, porém, se verificarmos o Brasil inteiro, pode haver 100, 150 pessoas com a mesma condição”, finaliza Steiner.

Ambulatório de doenças raras

Entre 2021 e 2022, o número de atendimentos realizados pelo ambulatório de doenças raras do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp aumentou de 840 para 1,8 mil.A maioria das doenças raras é genética, mas também podem ter causas infecciosas ou virais. Existem cerca de sete mil doenças raras e o HC da Unicamp é credenciado, desde 2019, para o tratamento de doenças raras como a Síndrome de DiGeorge, a Síndrome de Wiskott-Aldrich e erros inatos do metabolismo, como a Síndrome de Gilbert.

De acordo com o médico Gil Guerra Júnior, coordenador do ambulatório de doenças raras do HC da Unicamp, para se chegar ao diagnóstico, atualmente, um paciente consulta-se, muitas vezes, com até 10 médicos de especialidades diferentes, além de inúmeros profissionais de saúde.

“A maioria dos pacientes é diagnosticada tardiamente, anos após os primeiros sinais e sintomas do início da doença em média, 75% dos casos ocorrem em crianças e jovens. Para pelo menos 3% dos casos há tratamento cirúrgico ou medicamentos regulares que atenuam os sintomas”, revela Gil Guerra Júnior.

Como é o encaminhamento?

O agendamento de serviços no ambulatório de doenças raras do HC da Unicamp depende de encaminhamento pelo SUS, por meio da Unidade Básica de Saúde ou hospital de referência do município. A solicitação deve ser encaminhada via Secretaria de Saúde do Estado pela Central de Regulação de Vagas (Cross). Saiba mais aqui.


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Matéria originalmente publicada por Paula Penedo no Jornal da Unicamp
Edição de texto: Edimilson Montalti – Núcleo de Comunicação HC Unicamp