Neurocirurgião do HC lança livro sobre mitologia grega e ética médica


Mito de Asclépio e outras histórias compõe obra

O neurocirurgião do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, Venâncio Dantas Filho, lançou recentemente o livro Mitologia grega e ética médica: histórias com sentido. No livro, Venâncio propõe uma reflexão baseada nas narrativas da mitologia grega, ressaltando suas relações com a ética médica e com os profissionais da saúde em geral. 

“Os mitos não são apenas histórias. Eles transcendem o momento em si e vão se atualizando, recebendo um colorido cultural de cada época, mas mantendo uma profunda sabedoria da vida”, escreve o autor em um dos capítulos do livro.

Venâncio acredita que a mitologia grega pode servir como importante ferramenta pedagógica para a reflexão e o enfrentamento das desafiantes situações nos cuidados à saúde. Segundo o autor, “nos tempos confusos que vivemos, parece valioso resgatar as referências da história da medicina. O pensamento mítico resistiu até os dias de hoje como algo além do pensamento científico. O estudo da evolução da ciência médica deve incluir, também, o conhecimento de suas bases míticas”.

Entre o lançamento do livro e uma sessão de autógrafos, Venâncio concedeu uma entrevista em que fala um pouco mais sobre a obra, publicada pela editora Viseu, disponível nas versões impressas e e-book. Na Unicamp, o lançamento do livro será no dia 7 de junho, às 16 horas, no Espaço das Artes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), à rua Albert Sabin, s/nº, no prédio FCM-01.

O que levou você a escrever esse livro?
Venâncio – A paixão pelas histórias da mitologia grega, histórias que coleciono há mais de vinte anos, para estimular a reflexão sobre temas de ética médica e bioética nas discussões com alunos e residentes. Sempre gostei de contar histórias e fui entendendo que os mitos gregos são, além de muito interessantes, uma boa ferramenta para ilustrar as reflexões sobre a ética, inclusive sobre os desafiantes temas atuais.

Quanto tempo levou para finalizá-lo?
Venâncio – Comecei a escrever em abril de 2020, logo após o início da pandemia. Aquele período de reclusão levou-me a colocar no papel as histórias e suas interpretações. Em março de 2021, estava terminando a primeira versão. Depois começou a procura de editoras, enviei para algumas e fui fazendo novas versões. Em abril de 2023, assinei o contrato com a editora Viseu, que foi bastante competente. Mais um ano e, em abril de 2024, estamos fazendo o lançamento. Foram quatro anos desde do começo da escrita até o lançamento, com muito aprendizado nas conversas com revisores e editores.

Qual a relação entre a mitologia grega e a ética médica?
Venâncio – A tradição grega antiga influenciou fortemente a cultura romana, que por sua vez, influenciou a cultura europeia, principalmente latina, que chegou até nós pela nossa colonização portuguesa. Certamente temos uma forte influência grega em várias áreas do conhecimento, especialmente na medicina. Podemos citar a arquitetura, o teatro, o conceito de democracia e as olimpíadas, entre outros exemplos. Está presente nas propostas vida saudável, nas dietas equilibradas, proximidade com a natureza e no culto ao corpo. Aparecem também em expressões corriqueiras como “tendão de Aquiles”, “hermafrodita”, “força titânica”, “esforço hercúleo”, “presente de grego”, “narcisismo”, “toque de Midas”, e muitas outras. Uma outra forte influência é na filosofia. Enfim, podemos dizer que nossa filosofia é grega, e nossa medicina também.

Há algum exemplo?
Venâncio – Os gregos sempre explicaram as coisas através dos mitos, o que chamamos de “cosmovisão mítica”. Outro aspecto importante é a ênfase que davam na ética das relações entre os médicos e os pacientes. Temos vários exemplos dessa fundamentação ética nos mitos, em especial naqueles relacionados com a medicina. Um exemplo importante é o próprio “mito fundador” da nossa medicina ocidental: o mito de “Asclépio”, o “Esculápio” dos romanos. Nessa narrativa, Asclépio foi criado e ensinado por Quíron, um centauro muito sábio, que era médico e professor, entre muitas outras qualidades. Asclépio se tornou tão bom médico que começou a ressuscitar os mortos. Hades, o deus do mundo dos mortos, reclamou ao seu irmão Zeus que seu reino estava se esvaziando. Então Zeus, que viu nessa atitude uma transgressão inaceitável do limite humano (afinal nós somos os “mortais”, apenas os deuses podem ser considerados “imortais”), matou Asclépio com um de seus raios, castigando assim a “hybris” (petulância) do médico. Depois transformou Asclépio numa constelação: “Ofiuco”, também conhecida como “Serpentário”. Fica a mensagem que o médico, e também todos os profissionais da saúde, devem reconhecer seus limites, cuidar dos pacientes, mas nunca querer vencer a morte.

Nos dias de hoje, em que a medicina usa das mais avançadas tecnologias para diagnóstico e tratamento, como a mitologia pode ajudar no cuidado do paciente?
Venâncio – Este livro destina-se, especialmente, a professores, alunos e profissionais da saúde, mas também para todos aqueles que se interessam por mitologia grega e questões éticas. A função dessas histórias é nos desafiar a repensar nossas atitudes principalmente como profissionais, mas também como seres humanos. Os mitos têm uma grande força pedagógica nesse sentido. Por isso, fala-se tanto em “humanização” em saúde hoje em dia. Devemos nos lembrar que o cuidado é nossa função principal. Certamente redimensionamos nossa capacidade de diagnóstico e tratamento com a evolução do conhecimento e da tecnologia, mas o respeito, a compaixão, a empatia e a solidariedade continuam sendo o fundamento de nossas profissões. Afinal, é isso que todos nós gostaríamos de receber, além da tecnologia e competência, quando precisarmos de cuidados de saúde. É sobre isso que trata o livro.


Texto: Edimilson Montalti – Núcleo de Comunicação HC Unicamp
Fotos: Venâncio Dantas Filho e editora Viseu