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Quatro anos após o implante coclear no Hospital de Clínicas da Unicamp, Maria Dulce Alves Dias Cardoso continua a apreciar o canto dos pássaros e o som da chuva. De volta à Unicamp, na quarta-feira (28), para uma avaliação processual, ela garante que o dia 9 de outubro de 2002, quando o aparelho foi ligado, nunca saiu da memória. “Eu me vi no mundo dos surdos aos 28 anos. Quando, depois de oito anos, a doutora Silvia Badur Ciru perguntou se podia ouvi-la, comecei a chorar de emoção.” Hoje ela agradece ao otorrinolaringologista da Unicamp Paulo Porto pela possibilidade de ouvir e falar. Em entrevista coletiva realizada no Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas, Porto comemorou a cirurgia número 171 e anunciou a ampliação do número de aparelhos implantados de 90 para 210 por ano. O número de pacientes deverá de passar de 45 para 110 por ano.

Hoje, a Unicamp é um dos cinco centros de referência de implante coclear no Brasil e desde o início das atividades, em 2001, já recebeu pacientes, inclusive crianças, de 14 estados. O HC da Unicamp realizava uma cirurgia por semana, e a partir deste mês passou a fazer dois procedimentos semanais. A cirurgia é 100 por cento financiada pelo SUS e leva em média três horas. No ambulatório de implante coclear da Unicamp, todos os candidatos ao implante coclear passam por avaliações rigorosas realizadas por uma equipe multidisciplinar do HC. O objetivo é determinar se os pacientes se encaixam nos critérios para realização desse tipo de cirurgia.

De acordo com Porto, o aumento foi possível pelo apoio da Coordenadoria de Assistência do HC, pela inauguração de uma área de implante coclear com infra-estrutura adequada e a contratação de novos profissionais. Segundo o especialista, a equipe providencia a formação de novos cirurgiões. “Antes eu era o único médico a realizar os implantes, mas hoje temos quatro cirurgiões capazes de realizar as cirurgias”, explica.

A recuperação e o aprimoramento da decodificação dos sons e da qualidade da fala é nitidamente perceptível após quatro anos da primeira entrevista concedida por Maria Dulce e pela professora aposentada Maria Regina Briganti, duas dos 11 primeiros pacientes operados pela equipe de Paulo Porto. A perda da audição, segundo elas, em pouco tempo, deixa a fala mais lenta até não conseguirem mais pronunciar claramente as palavras. Porto explica que, nos primeiros momentos após a ligação do aparelho, o paciente não é capaz de decodificar os sons. Os timbres de vozes, por exemplo, não são distinguidos, mas, diante das experiências relatadas por seus pacientes, todos melhoraram sua capacidade de comunicação.

Porto esclarece que o implante coclear é um aparelho que fornece a possibilidade de reabilitar pacientes com perda severa e profunda de audição, que não conseguem benefícios dos aparelhos auditivos disponíveis. Trata-se de um estimulador elétrico que faz o papel do ouvido, captando o som e transformando-o em impulsos elétricos. Pode ser implantado em crianças que nasceram com o problema de audição ou em adultos que sofreram algum tipo de acidente (alguma infecção ou ainda com alguma patologia grave), que ocasionou a perda da audição. Na Unicamp, 45 % dos pacientes implantados são adultos e 55% crianças.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 5.750.809 pessoas da população mundial têm deficiência auditiva. No Brasil, 350 mil apresentam perda severa e profunda. Ele acrescenta que, na Unicamp, a deficiência auditiva pode ser diagnosticada nos primeiros momentos de vida com o chamado teste da orelhinha. No momento, 19% das perdas têm sido diagnosticadas antes dos 2 anos de idade, 33%, entre 3 e 5 anos e 17% em crianças acima de 6 anos de idade. Porto lamenta que, diferentemente das estatísticas norte-americanas, a maior causa de perda auditiva em crianças brasileiras ainda seja por causa de infecções pré-natais, principalmente rubéola.

Alegria infantil

A volta de Maria Dulce à Unicamp, na quarta-feira, propiciou o reencontro com Maria Regina Briganti, que, depois de 2002, ao recuperar a memória auditiva, pôde voltar às atividades docentes, alfabetizando, durante cinco anos, crianças com deficiência auditiva da Instituição Educacional Dona Maria do Carmo Toledo. “Voltar a ouvir sons é uma alegria infantil. É indescritível. Passamos a valorizar os mínimos ruídos”, alegra-se Maria Regina.

Nem Maria Regina, nem Maria Dulce esperavam por este reencontro, pois não sabiam da coletiva para divulgar a ampliação dos implantes. A possibilidade de rever Paulo Porto e sua equipe também agradou aos pacientes. “Vocês não sabem quem é este homem que estavam entrevistando. Além de um grande profissional, é uma pessoa fora do comum”, disse Aparecido Marcucci, de Jundiaí. Uma “coincidência” que virou festa entre pessoas capazes de traduzir as sensações do outro. “Só mesmo quem viveu consegue entender”, diz Maria Regina.

Para Marcucci, o surdo-mudo é o grupo mais discriminado entre portadores de necessidades especiais. Ao perder a audição, interrompeu suas atividades sociais e profissionais como representante de uma grande empresa. Ele diz ter se sentido num casulo e só foi capaz de recomeçar a viver após o implante. “Tentei tratamento em outra instituição, mas quando vim para a Unicamp, depois de oito meses de consultas e exames realizei o implante. Aqui encontrei calor humano”, relembra.

O implante coclear foi desenvolvido em 1977 nos Estados Unidos e no Brasil, a Unicamp foi uma das primeiras a disponibilizar o serviço em 2002.

Maria Alice da Cruz e Caius Lucilius (texto), Antônio Scarpinetti (fotos) e William Reis (edição de imagens)
Assessoria de Imprensa do HC e ASCOM UNICAMP

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