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Um grupo multidisciplinar da Unicamp venceu edital da Finep para financiamento de um projeto que visa avaliar a qualidade de implantes ortopédicos utilizados no país. A professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), começou a desenvolver biomateriais para implantes em ortopedia e odontologia em 1990, juntamente com o professor William Bellangero, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Hoje, Cecília Zavaglia coordena o Laboratório de Biomateriais e Biomecânica (Labiomec), instalado na FEM, que reúne dez engenheiros, dois ortopedistas, quatro químicos, três biólogos, dois dentistas, um veterinário e cerca de vinte estudantes.

A chamada do edital deu-se no âmbito da Rede Multicêntrica de Avaliação de Implantes Ortopédicos (Remato), um esforço interministerial para a estruturação de uma capacitação nacional para avaliação destes produtos. A rede ainda tem como objetivos consolidar um banco de dados de ensaios; integrar hospitais e instituições de ensino e pesquisa por meio de redes; capacitar recursos humanos; e organizar eventos para difusão de conhecimentos.

Segundo Cecília Zavaglia, o Labiomec já vem contribuindo com os objetivos da Remato, além de contar com especialistas e laboratórios da Universidade para realizar análises e ensaios seguindo todas as normas técnicas (como da ABNT, ASTM e ISO). O grupo interdisciplinar já produziu 22 teses de doutorado, 24 de mestrado, 16 trabalhos de iniciação científica e quatro de pós-doutorado, sendo que alguns deles resultaram em patentes importantes.

“Os biomateriais desenvolvidos no Departamento de Engenharia de Materiais passam primeiramente por uma rotina de ensaios de propriedades mecânicas, químicas e físicas. Em seguida, por ensaios de biocompatibilidade em culturas de células, no Instituto de Biologia, e por ensaios in vivo clínicos, na Faculdade de Ciências Médicas. Todos os passos obedecem às normas das agências reguladoras e dos comitês de ética em pesquisa animal do IB e em seres humanos da FCM”, explica a docente.

Biomateriais – Uma equipe coordenada por Cecília Zavaglia realiza ou orienta a síntese de biomateriais, que podem ser metálicos, cerâmicos ou poliméricos. Os implantes precisam apresentar resistência mecânica adequada e, sobretudo, resistência à corrosão. “O sangue humano é tão corrosivo quanto água do mar. Por isso, o material utilizado em implantes deve ser resistente à corrosão e biocompatível, não oferecendo riscos ao organismo”.

Os biomateriais metálicos são os mais resistentes mecanicamente, compostos por aço inoxidável austenítico, ligas de cobalto-cromo ou ligas de titânio. Podem deformar em caso de choque, mas dificilmente quebram. “No implante de quadril (coxofemoral), outro material poderia falhar por fadiga, devido ao movimento repetitivo de tração e compressão no caminhar. Além disso, quando sentada, o esforço na cabeça de fêmur equivale a 2,5 vezes o peso da pessoa; subindo a escada, chega a cinco vezes”.

Os cerâmicos são igualmente biocompatíveis e livres da corrosão, porém mais frágeis. De acordo com a professora, servem melhor a implantes menores, substituindo um dente ou um pedaço de osso em fraturas craniofaciais. “No laboratório sintetizamos a hidroxiapatita e outras cerâmicas de fosfato de cálcio, similares à parte mineral do osso. Algumas delas, na forma de pó, são misturadas a um líquido e ganham a forma pastosa do cimento, preenchendo facilmente os defeitos ósseos”.

Outro exemplo de aplicação de cerâmicos está na odontologia. Na extração de um dente, o orifício na mandíbula é logo preenchido pela gengiva, o que dificulta um implante. O preenchimento com biocerâmica e a colocação de uma membrana periodontal retém a gengiva enquanto o osso se regenera. “Após algum tempo, coloca-se um implante de titânio e espera-se ocorrer a osteointegração, que leva de três a seis meses. Depois, basta abrir o orifício para encaixe do dente artificial”.

Poliméricos – Os biomateriais poliméricos substituem tecidos moles, como a pele e o músculo. Cecília Zavaglia aponta uma exceção, que é o uso do polietileno de ultra-alto peso molecular, o polímero de maior resistência ao desgaste. “No implante coxofemoral, com ele se faz a peça de articulação com a cabeça de fêmur (acetábulo), que fica inserida no quadril. É um caso em que materiais diferentes trazem bons resultados contra o desgaste”.

Outro objeto de estudo no Labiomec são os polímeros bioabsorvíveis, menos resistentes, mas capazes de fixar pequenas fraturas em um osso da mão ou da face. “Convencionalmente, a fixação é feita com placa metálica, que pede uma segunda cirurgia para ser retirada, depois da recuperação óssea. A placa de polímero bio-reabsorvível vai se decompondo ao mesmo tempo em que se forma o calo ósseo, sendo absorvida pelo organismo”.

Neste espectro de pesquisa estão polímeros bio-reabsorvíveis, com tempo controlado de degradação, conforme a aplicação desejada. Dependendo da composição, eles podem degradar no prazo de um a dois meses, de seis a doze meses ou até em 24 meses. “É uma linha de pesquisa que gerou várias teses de doutorado e que teve origem em materiais usados como fios de sutura interna. Agora, avançamos no estudo desses polímeros para produzir membrana periodontal”.

A coordenadora do laboratório menciona ainda os hidrogéis poliméricos, próprios para reparos de cartilagem. Ela explica que entre o fêmur e o quadril, por exemplo, existe uma cartilagem natural que se desgasta e não se recupera naturalmente. Por isso, pessoas idosas costumam sentir dor. “Os hidrogéis estudados podem corrigir uma depressão no tecido cartilaginoso, postergando a colocação de um implante”.

O futuro – Cecília Zavaglia ressalta que seguem as pesquisas com revestimentos de carbono tipo diamante (DLC) e liga de titânio, já abordadas pelo Jornal da Unicamp. Desenvolvido no Instituto de Física, o revestimento aumenta a resistência à formação de trombos de implantes cardíacos e ao desgaste de implantes de joelho e de cabeça de fêmur. Outro revestimento anti-coagulante foi utilizado na tese de doutoramento de uma pesquisadora do Incor, que desenvolveu um ventrículo implantável (de titânio) para auxiliar no batimento cardíaco do paciente em estado emergencial.

Na opinião da professora, o futuro está na engenharia de tecidos, sendo que o Labiomec já começou os estudos com combinações de materiais e testes para algumas aplicações, inclusive com auxílio de células tronco. “A idéia é produzir um substrato poroso de cerâmico e de polímero bio-reabsorvível. Em um biorreator, o biólogo insere, sobre o suporte poroso de biomaterial, culturas de células do próprio paciente, alimentando-as com nutrientes até que o osso cresça, ao mesmo tempo em que o material se desmancha. Com o tecido maduro, realiza-se o implante ósseo, sem rejeição”.

Equipe oferece cursos em hospitais e na Anvisa

Recentemente,o Jornal da Unicamp destacou o desenvolvimento de um software para prototipagem rápida, em tese de doutorado orientada por Cecília Zavaglia na FEM e que teve a parte experimental realizada no Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA). Grosso modo, o software trabalha com imagens obtidas através de tomografia computadorizada, oferecendo um modelo virtual de parte do corpo, como da cabeça.

Trabalhada a imagem, os parâmetros são transferidos para a máquina de prototipagem, que vai reproduzir, camada a camada, um modelo físico com material cerâmico ou polimérico. “Com o modelo físico, o cirurgião pode planejar a cirurgia e produzir próteses personalizadas. Minha parte seria sugerir o biomaterial adequado”, diz a docente.

Contando agora com um equipamento próprio de prototipagem, a coordenadora do Labiomec pretende dar três passos adiante nas pesquisas. Como o modelo físico ainda não é composto de material biocompatível – o implante funcional é feito a partir dele –, o primeiro passo seria produzir o molde do implante na própria máquina, preenchendo-o com biomaterial.

O segundo passo é a utilização dos biomateriais desenvolvidos no Labiomec no equipamento de prototipagem rápida, construindo diretamente os implantes personalizados. “Outro passo, mais para o futuro, é a viabilização também de material poroso, a ser construído diretamente da prototipagem rápida, para a engenharia de tecidos”.

Além do CenPRA, o Labiomec mantém colaboração com a Sobrapar – Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial, onde os pesquisadores já registram cerca de 900 casos de implantes em pacientes vindos de todo o país. Uma fratura bastante comum é a causada por traumas abaixo do olho, onde o osso quebra com facilidade. Uma conseqüência é a visão dupla, já que olho sofre deslocamento.

“Para correção desse tipo de fratura, na maioria das vezes, os médicos usam cimento ortopédico, que vão moldando na hora, o que torna a cirurgia demorada e o resultado insatisfatório. Também procuramos orientar os médicos e uma pós-graduanda está montando uma grande tabela com os biomateriais disponíveis para cada aplicação”, adianta Cecília Zavaglia.

Cursos – O Labiomec mantém uma equipe com especialistas em biomateriais e em técnicas de caracterização de produtos que oferecem cursos de capacitação. “Temos uma parceria com o Hospital de Clínicas da Unicamp, que solicitou aulas para os residentes de ortopedia, a respeito das propriedades e diferenças entre os diversos materiais e produtos utilizados na especialidade, e daqueles que podem gerar problemas no organismo”.

A equipe também foi requisitada por enfermeiras do HC para orientá-las na compra de instrumental por licitação, quando constatou que a quebra de tesouras e pinças em meio à cirurgia é uma ocorrência comum. “Há uma dissertação em andamento sobre estudos metalográficos, abordando aspectos como acabamento superficial e corrosão. Depois do curso, as enfermeiras perceberam que num lote novo de instrumentos cirúrgicos havia um com a superfície oxidada. Devolveram todo o lote”.

Os especialistas da Labiomec deram curso de treinamento inclusive para funcionários da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), visto que os implantes fabricados no país precisam da aprovação do órgão. “Eram recém-aprovados em concurso, que receberam aulas sobre os materiais usados em ortopedia. Cinco deles estiveram aqui, interessados em metalografia e ensaios mecânicos. Estamos avaliando com a Anvisa a implantação de um curso de especialização para 2009”.

LUIZ SUGIMOTO
ASCOM UNICAMP

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