A união da neurologia, da física médica e da engenharia da computação pode trazer novas respostas sobre a plasticidade cerebral após cirurgia em pacientes com epilepsia de lobo temporal. Através da criação de um novo código para o software SPM2 (Statistical Parametric Mapping), utilizando o Matlab 7.0, desenvolvido para a pesquisa de doutorado da neurologista Clarissa Yasuda, foi possível analisar evidências de neuroplasticidade (regeneração e alterações de volume) nas substâncias branca e cinzenta associadas ao controle de crises em pacientes após a cirurgia de epilepsia. A tecnologia permite a aplicação da técnica de morfometria baseada em voxel (VBM) a ressonâncias magnéticas pré e pós-operatórias do cérebro desses pacientes. O ineditismo e o avanço da experiência multidisciplinar, orientada pelo neurologista da Unicamp Fernando Cendes, rendeu a Clarissa dois prêmios nacionais e cinco internacionais na área de neurologia e epilepsia. A tecnologia, chamada de Morfometria Baseada em Voxels, pode ser usada também em outras áreas da medicina, segundo a pesquisadora.
A cirurgia é a solução para amenizar as crises convulsivas de pacientes com epilepsia temporal refratária, aquela que não tem condições de ser tratada apenas com medicamentos. Com a nova tecnologia, os neurologistas têm condições de analisar imagens fragmentadas do cérebro, o que permite ver o resultado da cirurgia, pois as lacunas, segundo Clarissa, causam distorção das imagens durante processamento automático. “A epilepsia de lobo temporal (ELT) apresenta um alto índice de refratariedade medicamentosa e, para estes indivíduos, a cirurgia é uma alternativa que oferece chances de 70% a 90% de controle das crises”, explica Clarissa. A pesquisa consistiu na comparação de 67 pacientes epiléticos com 69 indivíduos normais, acompanhados nos ambulatórios de epilepsia do Hospital de Clínicas da Unicamp. As imagens foram analisadas e processadas no Laboratório de Neuroimagem do HC-Unicamp.
A mesma técnica (VBM) permitiu uma análise em grupo mostrando que o resultado cirúrgico pode estar associado a alterações estruturais que não são vistas a olho nu. “Até o momento, não temos como saber se a cirurgia terá ou não o resultado esperado, tampouco identificar todas as lesões, mas o desenvolvimento de novos softwares também permitirá uma avaliação do prognóstico cirúrgico durante a seleção dos candidatos a cirurgia”, destaca a pesquisadora.
As experiências já envolvem também a análise de lesões em epilepsias extratemporais. “Dois dos trabalhos premiados já envolvem pesquisas com cirurgias de epilepsias temporal e extratemporal”, revela Clarissa. A aquisição de um novo equipamento, de 3 Tesla, permitirá o avanço nas pesquisas em pacientes com epilepsia, principalmente nos pacientes com epilepsia extratemporal. “O aparelho que temos é de 2 Tesla, importante para diagnóstico, mas o novo equipamento (3 Tesla) possibilita a análise de outros lobos extratemporais”, explica.
Prêmios – De acordo com Clarissa, os prêmios são destinados a diferentes fases do projeto com cirurgia de epilepsia, iniciado durante o mestrado. A sequência de reconhecimentos teve início em junho de 2008, quando o júri do Prêmio Paulo Niemeyer, oferecido dentro do 32º Congresso Brasileiro de Epilepsia contemplou Clarissa pelo trabalho “Regeneração da atrofia de substância branca após a cirurgia de epilepsia: evidências estruturais reveladas pela Morfometria Baseada em Voxel”. Em agosto, ela recebeu o Prêmio Paulo Pinto Pupo da Academia Brasileira de Neurologia, pelo estudo “Evidências estruturais de plasticidade cerebral após cirurgia de epilepsia: um estudo com Morfometria Baseada em Voxels”.
Um terceiro prêmio nacional foi conferido à pesquisadora, em agosto, pela análise de substâncias branca e cinzenta do cérebro em pacientes com Alzheimer. Ela foi contemplada como segunda autora no Prêmio “Alois para Doença de Alzheimer”, da Academia Brasileira de Neurologia, com o trabalho “Padrões de atrofia de substâncias branca e cinzenta em pacientes com Doença de Alzheimer leve e Déficit Cognitivo Leve”. O primeiro autor do prêmio foi o neurologista Marcio Luiz Figueredo Balthazar, que já concluiu seu doutorado no fim de 2008.
Entre os prêmios internacionais estão o Jovem Investigador do 62º Encontro Anual da Academia Americana de Epilepsia, realizado na 2ª Bienal Norte-Americana de Epilepsia, em dezembro de 2008, no qual Clarissa apresentou o trabalho “Alterações no volume de substância branca e cinzenta após a cirurgia de epilepsia de lobo temporal mesial refratária, reveladas pela técnica de Morfometria Baseada em Voxels”.
O segundo prêmio internacional foi recebido em novembro no 5º Congresso Latino-Americano de Epilepsia, em Montevideu, pelo trabalho “Epilepsia temporal e extratemporal intratáveis apresentam atrofia difusa de substância branca: evidências estruturais reveladas pela morfometria baseada em voxel”. O trabalho recebeu uma bolsa de viagem para sua apresentação, além do prêmio de melhor trabalho científico clínico durante o congresso.
A maré de contemplações inclui duas bolsas de estudos. Uma para o 7º Curso Internacional em Epilepsia “Conectando a ciência básica com a epileptologia clínica”, financiado pela Epilearn Project – Marie Curie Auctions, realizado em julho de 2008 em Veneza (Itália). A outra bolsa foi concedida pela Academia Virtual de Epilepsia (Virepa) para o curso on line de Neuroimagem em Epilepsia, financiado pela Liga Internacional contra Epilepsia (Ilae), em andamento.
Reinserção – Com a regeneração das substâncias, a cirurgia devolve ao paciente a realização de seus projetos de vida, como estudar e trabalhar. A frequência de crises acaba por afastar o epilético de suas atividades sociais, além de estimular atitudes preconceituosas de outras pessoas da sociedade, desinformadas a respeito dos sintomas da doença. Clarissa explica que, mesmo com alguns sinais a família e a própria pessoa afastam a hipótese de epilepsia. Grande parte só consegue diagnosticar após a primeira convulsão. A busca tardia por tratamento e a relutância em submeter a cirurgia também contribuem para o afastamento da vida social. “É importante inserir o quanto antes e a decisão pela cirurgia pode proporcionar isso ao paciente”, acrescenta Clarissa. Na sua opinião, a instalação de centros especializados em cirurgia de epilepsia no País ainda é tímida, não passa de seis unidades. “Algumas regiões nem têm acesso. Não têm como produzir pesquisa nesta área. É uma questão de saúde pública”, acrescenta.
Maria Alice da Cruz e Edimilson Montalti (texto), Antônio Scarpinetti (fotos) e Luís Paulo Silva (edição das imagens)
Assessoria de Imprensa da FCM e ASCOM Unicamp