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Ao menos quatro hospitais brasileiros estão tratando câncer nos ossos com crioterapia, técnica em que o osso doente é retirado do paciente, congelado em nitrogênio líquido e depois reimplantado. O método foi desenvolvido no Japão, onde já é usado rotineiramente há pelo menos dez anos.

A maioria dos centros que tratam câncer nos ossos usa o procedimento padrão: depois da quimioterapia, o paciente passa por uma cirurgia em que o osso é retirado e descartado. Em seguida, o local recebe uma prótese, um osso de doador ou um osso do próprio paciente.

Há pouco mais de um mês, o Hospital das Clínicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) passou a usar a técnica e operou uma jovem de 24 anos, que tinha um sarcoma de Ewing (tipo de tumor). Ela já recebeu alta e se recupera bem. Outro paciente deve ser operado nas próximas semanas.

“A ideia é transformar essa cirurgia em rotina na ortopedia oncológica. Todos que tiverem indicação passarão por esse procedimento. É uma técnica muito simples, mais barata e sem risco de rejeição”, afirma o ortopedista oncológico Maurício Etchebehere, professor da Unicamp e chefe do Departamento de Ortopedia.

Um dos primeiros a usar a técnica no Brasil foi o professor Márcio Fernando de Moura, da Universidade Federal do Paraná. Desde 2003, ele já operou 35 pacientes em dois centros -Hospital das Clínicas de Curitiba e Hospital de Fraturas 15. Nenhum dos pacientes operados por ele teve recidiva (reaparecimento do tumor).

O Hospital de Câncer de Pernambuco, o segundo a usar o método no Brasil, já operou 22 pacientes -o tumor voltou em dois deles. “Essa cirurgia é mais uma arma terapêutica que a gente tem para tratar o câncer ósseo. É um método simples, acessível e que traz resultados satisfatórios”, acredita o ortopedista oncológico Antônio Marcelo Gonçalves de Souza, chefe do Departamento de Ortopedia do hospital.

Segundo Souza, a cirurgia pode tratar cânceres primários (que começam nos ossos) e secundários (metástases).

O protocolo padrão de tratamento, que inclui ciclos de quimioterapia, é mantido. “Isso não muda nada. A diferença é que em vez de o paciente colocar uma prótese ou um enxerto de cadáver, vai receber o próprio osso tratado”, explica.

De acordo com Maurício Etchebehere, o congelamento mata todas as células do osso -tanto as doentes quanto as sadias. E, depois de reimplantado, lentamente esse osso volta a ser nutrido e vascularizado.

Mais barata

Os três cirurgiões afirmam que a técnica é mais barata do que a convencional -uma prótese pode custar entre R$ 5.000 e R$ 15 mil, enquanto o nitrogênio líquido usado no procedimento custa cerca de R$ 100.

“O Brasil tem pouquíssimos bancos de ossos [hoje são apenas quatro em funcionamento], o que dificulta o acesso aos enxertos. Além disso, temos um problema cultural: poucas pessoas aceitam doar seus ossos”, diz Antônio Souza.

A recuperação pós-cirúrgica nesses casos é igual à recuperação tradicional. O paciente precisa usar muletas e restringir a carga no membro operado por, no mínimo, três meses.

Assim como qualquer outro tipo de tumor, há risco de o câncer voltar a aparecer. De acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), o percentual aceitável de reaparecimento do tumor varia de 5% a 10% da amostra de pacientes.

Roberto André Torres de Vasconcelos, ortopedista da Seção de Tecido Ósseo Conectivo do Inca, diz que a crioterapia é uma técnica que deve ser considerada, mas que ela não é a melhor opção de tratamento.

Para ele, não há garantia de que todas as células cancerígenas sejam destruídas durante os 20 minutos de congelamento. “Se congelar demais, o osso pode ficar enfraquecido e mais suscetível a fraturas; se congelar menos do que o necessário, há o risco de alguma célula doente continuar no local. Por isso, não sei se essa é a melhor alternativa”, avalia.

Na opinião de Vasconcelos, o ideal seria fazer estudos comparando todas as técnicas existentes para ser possível avaliar qual delas apresenta, de fato, o melhor prognóstico. “Sei que isso é difícil porque esse não é um câncer comum”, pondera.

O câncer primário dos ossos não está entre os dez mais comuns do Brasil e acomete mais os adultos jovens. Os tumores secundários atingem mais pacientes acima de 45 anos.

Fernanda Bassette
Jornal Folha de S.Paulo

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