Um milagre. Assim o pintor de paredes José Adriano Alves de Lima, de 23 anos, resume o fato de ter sobrevivido a uma perfuração no coração que exigiu massagem em peito aberto e seis pontos de sutura. Durante uma briga de bar, seu opositor o golpeou no peito com uma peixeira, perfurando seu coração. Atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), ele foi levado entubado para o Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em estado gravíssimo. “Os médicos foram mágicos. Um deles fez meu coração bater com a mão. Ele massageou meu coração até ele voltar a bater”, comemorou Lima. “É difícil de acreditar, mas estou vivo. Com o coração costurado, mas batendo” .
O procedimento que salvou a vida de Lima foi uma toractomia de reanimação, que consiste na realização de massagem cardíaca com o peito aberto em caso de parada cardíaca para reanimar o órgão, permitindo a finalização da cirurgia, de acordo com o cirurgião de trauma do HC, Marcelo Pinheiro Villaça, um dos responsáveis pelo atendimento.
Apesar de bastante conhecido, o procedimento é aplicado em raras situações e tem altíssimas chances de mortalidade. O índice de sobrevida é em torno de 2%. “Antes, este procedimento era utilizado em várias situações de trauma, mas a taxa de mortalidade era de praticamente 100%. Por isso, agora está restrito a situações de trauma perfurante no torax, com iminência de parada cardíaca ou nos primeiros cinco minutos após uma parada”, explicou Villaça. Além desse tempo, o paciente tem lesões definitivas no cérebro e o procedimento não é mais indicado.
O quadro de Lima ao chegar no hospital, na madrugada de 15 de novembro, era tão grave que ele foi atendido no centro cirúrgico da própria Unidade de Emergência Referenciada (UER), o antigo pronto-socorro. Villaça conta que o paciente teve três paradas cardíacas e precisou de seis pontos para suturar a perfuração no coração. Lima ficou cerca de duas semanas entubado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), precisou de traqueostomia, contraiu pneumonia no hospital e permaneceu internado em observação por cerca de 40 dias. Teve alta em meados de dezembro e agora faz os últimos exames antes de ser liberado.
Técnica
No momento, não pode fazer esforço físico nem carregar peso. Mas, segundo o médico, ele não ficou com nenhuma sequela. “Ele precisa de acompanhamento cardiológico por alguns meses. Mas depois pode voltar a ter uma vida normal”. Villaça disse que Lima é o primeiro caso na história do HC de paciente com lesão no coração a sair vivo de uma toractomia de reanimação.
Sobre a sensação de reavivar um coração com as mãos, o cirurgião diz que no momento do procedimento não há nenhuma emoção. “A questão para o médico não é ser melhor ou pior, mas estar bem preparado. Na hora do procedimento, usamos uma espécie de armadura emocional pelo bem do paciente. A reação é técnica, automática. A emoção vem depois, quando vemos que a resposta foi positiva, que o paciente reagiu bem. Aí é uma grande alegria, muito gratificante”.
A FRASE
“A emoção vem depois, quando vemos que a resposta foi positiva, que o paciente reagiu bem. Aí é uma grande alegria.”
MARCELO PINHEIRO VILLAÇA
Cirurgião de trauma do HC
José Adriano, o ‘Coração Valente’
Pintor diz que vai retornar a Pernambuco e ficar longe de confusões
José Adriano Alves de Lima diz que nem lembra direito a causa da briga que culminou em golpe de peixeira em seu peito. Ele conta que havia discutido com um colega uns 15 dias antes. No dia da briga quase fatal, estava bebendo em um bar no Jardim Lafayete, na região Leste, onde morava, e um outro homem, conhecido como Índio, comprou as dores do outro e começou a provocá-lo. “Como estava bêbado, aceitei a provocação e acabei dando motivo para ele me agredir. Nem importa mais o motivo. Só sei que isso nunca mais vai acontecer. Tive uma nova chance de viver e não vou desperdiçar”, disse Lima, que não voltou para o bairro. Ele está morando provisoriamente em Barão Geraldo, mas se prepara para voltar para a cidade natal, Flores, em Pernambuco.
“Agora quero ir para casa. Mas, pretendo voltar depois e viver e trabalhar em Campinas. Só que não no Lafayete. Quero distância de confusão”, afirmou. O medo de uma retaliação do agressor levou a família de Lima a também se mudar do bairro. O primo Josimar Patriota, de 42 anos, com quem o rapaz morava, deixou a casa no Lafayete e se mudou com a mulher e três filhos para Sumaré. Ele conta que ninguém acreditava na recuperação de Adriano. “Cheguei a ir até a Setec (Serviços Técnicos Gerais) fazer cadastro e pedir um caixão para ele. O Lima está vivo pela graça de Deus e pela mãos dos médicos”, disse Patriota, que passou a chamar o primo de “Coração Valente”. (DM/AAN)
Só 6% com lesão cardíaca chegam vivos ao hospital
Atendimento rápido foi fundamental para realizar a operação com eficácia
O professor da disciplina de Cirurgia de Trauma, Gustavo Fraga, afirma que trata-se de caso extremamente raro de paciente com lesão no coração chegar com vida ao pronto-socorro. “O atendimento do Samu foi determinante. A ambulância chegou rápido, os médicos deram o atendimento devido e avisaram o hospital. Quando ele chegou a equipe estava esperando”, disse.
Segundo ele, estudos feitos no Instituto Médico Legal (IML) xde Campinas constataram que apenas 6% das pessoas com lesão no coração chegam com vida ao PS, a tempo de ser submetidas a taractomia.
Outro estudo, do HC, mostra que de 126 pacientes atendidos com toractomia, apenas dois sobreviveram, mas nenhum deles tinha lesão no coração. O serviço de Cirurgia do Trauma do HC é chefiado pelo médico Mario Mantovani. (DM/AAN)
Delma Medeiros
Agencia Anhanguera – Correio Popular