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A cirurgia ortopédica para reconstruir perdas ósseas por traumas graves, pseudoartroses, osteomielites crônicas e tumores pode ser feita por meio de várias técnicas. São utilizados fixadores externos, fixadores internos, endopróteses e enxerto ósseo não vascularizado. O retalho microvascularizado, outra técnica, aplica-se aos casos graves que se enquadram nas situações nas quais os procedimentos convencionais falharam ou não foram possíveis. A alternativa, no caso, seria a amputação. Não é o que ocorre.

Um estudo de mestrado desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) demonstrou que, para perdas ósseas de 5 cm a 10 cm, a técnica do retalho vascularizado da crista ilíaca (ossos localizados na parte superior do quadril) mostrou ser uma ótima opção para o tratamento dessas lesões. “As vantagens são reconstruir as partes moles, manter o osso vivo e possibilitar o retorno do paciente mais precocemente às suas funções, visto que o osso se consolida mais rapidamente, sem apresentar morbidades tardias ao local doador”, salienta.

Casos de perda óssea são relativamente raros e, na maioria das vezes, são de difícil tratamento. Contudo, segundo a pesquisadora Cristiane Tonoli Velozo de Andrade, autora do estudo, que teve orientação do professor Bruno Livani, em todos os casos submetidos à cirurgia reconstrutora conseguiu-se consolidação óssea. “Verificamos que este é um recurso possível, confiável, seguro e com bons resultados funcionais”, garante.

A autora chegou a essa conclusão após avaliar 11 pacientes com traumas atendidos no Ambulatório de Ortopedia do HC. Seis vieram com lesões no punho, dois lesões no fêmur (na coxa), um no pé e dois no úmero (o maior osso do membro superior, que se relaciona com a escápula, o rádio e com a ulna através das articulações do ombro e do cotovelo). A pesquisa aconteceu entre 2011 e 2014.

Técnica

O retalho vascularizado da crista ilíaca é utilizado para o tratamento de lesões do aparelho locomotor (sistema esquelético). Elas normalmente decorrem de traumatismos graves, nos quais ocorrem perdas ósseas de partes moles, podendo englobar lesões nas estruturas da pele, músculos, tendões, ligamentos ou invólucros de tecidos que cobrem articulações.

Através dessa técnica, a crista ilíaca é extraída e levada com vascularização (com vasos) ao local da perda óssea. Deste modo, é possível reconstruir as partes moles e suprir o defeito de vascularização que pode estar inclusive associado a essa perda.

Cristiane tinha dúvida se a reconstrução de traumas e defeitos de partes moles do aparelho locomotor se consolidaria. A resposta foi afirmativa em todos os casos avaliados. A ortopedista conta, entretanto, que a reabilitação é um pouco mais demorada quando o órgão submetido à cirurgia é o fêmur, por causa da ligação que ele possui com o joelho. “Assim fica mais complicado o paciente conseguir a sua movimentação”, diz.

Quanto à vascularização, esse processo implica que a crista ilíaca seja levada junto com a artéria e com a veia para o local da perda. A falta de vascularização, quando existe uma lesão por esmagamento ou lesão por perda de partes moles, também leva à perda de artérias no local. “Então somos capazes de fazer reconstrução com essa técnica”, relata.

Fato é que as técnicas tradicionais, que conduziriam o osso sem vascularização, sem artéria, não permitiriam reconstruir as partes moles, as partes vivas. Essa é a grande diferença da técnica microvascularizada. Ela é capaz de manter o osso vivo.

O paciente, na verdade, já chega apresentando alguma lesão, perda óssea ou de partes moles. No primeiro momento, a técnica do retalho microvascularizado da crista ilíaca não é realizada porque, quando acontece o traumatismo, a pessoa em geral dá entrada pelo plantão do hospital. O máximo que se faz é uma limpeza ou um debridamento (remoção do tecido desvitalizado na ferida), sendo colocado um suporte inicial, provavelmente um fixador externo.

No segundo momento, é agendada a cirurgia para o retalho microvascularizado. Essa intervenção é na maioria das vezes bastante demorada. Pode levar pelo menos três horas de duração, já que envolve a retirada do retalho microvascularizado da crista ilíaca. A seguir, é realizado o enxerto do local. Essa técnica é mais difundida entre os ortopedistas especialistas da mão e cirurgiões plásticos.

O procedimento é realizado com uso de microscópio. Trata-se de uma cirurgia bastante especializada, que requer do cirurgião treinamento em microcirurgia. Cristiane, por exemplo, está fazendo uma especialização na Universidade de São Paulo.

Entre as técnicas disponíveis hoje, essa é a mais exitosa para o tratamento de perdas ósseas moderadas. Existe ainda a possibilidade de empregar o retalho vascularizado da fíbula (perônio). O problema é que às vezes ele não pode ser usado porque também notam-se outros traumas no membro. É mais praticado para reconstruções ósseas de extremidades e de mandíbula.

Outras técnicas igualmente possíveis são a do fixador externo com alongamento ósseo, que é muito dolorida e que parece uma gaiola. O osso vai se alongando com o tempo. Mas demora anos para atingir o tamanho esperado. Tem ainda a técnica do enxerto de banco de ossos. Dificilmente se consegue uma boa adaptação. “Não é um osso vivo que trazemos para outra pessoa junto com a artéria e com a veia.” No HC da Unicamp, uma das técnicas de eleição é a do enxerto ósseo não vascularizado.

Acompanhamento

Cristiane efetuou acompanhamento ambulatorial por 17 a 36 meses dos 11 pacientes avaliados. Notou que todos eles, apesar de sofrerem traumatismos graves, conseguiram retornar às atividades de lazer e de trabalho. “Mas isso não foi utilizado como um critério de avaliação, por ser muito subjetivo”, esclarece. “Empregamos como critérios clínicos ausência de dor e o retorno às atividades básicas da vida diária”, expõe.

A principal complicação encontrada no estudo, segundo relato da pesquisadora, foi a dor pós-operatória no local do osso doador. Essa dor se estendeu por cinco a 30 dias depois da cirurgia. E, para que houvesse seu alívio, a pesquisadora lembra que foram prescritos analgésicos até que a dor fosse debelada.

Depois de um mês, a ortopedista revela que todos os pacientes não referiam mais dor. Também foi percebida ausência de mobilidade no osso (o que significa que ele consolidou), tanto na avaliação clínica quanto na avaliação radiográfica.

Para se recuperarem completamente, esses pacientes passaram por sessões de fisioterapia, com duração de três a seis meses. Para os casos de fêmur, por ser um órgão muito próximo do joelho, tiveram que fazer até um ano de sessões de fisioterapia.

O estudo envolveu uma criança, que na época tinha nove anos. A sua resposta ao tratamento foi melhor que a dos adultos. A consolidação ocorreu mais rapidamente, em torno de um mês, ao passo que o tempo médio de consolidação nos adultos foi de três meses. No estudo, além da consolidação ter sido mais rápida, a remodelação foi perfeita, na opinião de Cristiane.

A maior contribuição deste estudo, conforme a mestranda, foi que não havia na América Latina publicação acerca do uso do retalho vascularizado da crista ilíaca para perdas do aparelho locomotor. Esse foi o primeiro trabalho que foi posto à prova. “Agora a ideia é divulgar essa técnica em hospitais em que haja tratamento de traumas. Que os cirurgiões se interessem por ela e passem a executá-la de rotina”, espera Cristiane.

Publicações

Artigo
Tonoli, C.; Bechara
, A.H.S.; Rossanez, R.; Belangero, W.; Livani, B. Use of the vascularized iliac-crest flap in musculoskeletal lesions. BioMed Res. Intern., 2013:1-6, 2013.

Dissertação: “Emprego do retalho vascularizado da crista ilíaca para tratamento de lesões do aparelho locomotor”
Autora: Cristiane Tonoli Velozo de Andrade
Orientador: Bruno Livani
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Texto: Isabel Gardenal
Foto: Antonio Scarpinetti

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