A judicialização da saúde tem crescido em ritmo acelerado nos últimos anos e preocupado gestores e juristas. Somente no Estado de São Paulo esse valor chega a R$ 1,2 bilhão para cerca de 47.000 ações judiciais – a maioria medicamentos -, um aumento de 92% em cinco anos. Na União esse crescimento chegou a 727% no mesmo período. A judicialização tem provocado um desequilíbrio do orçamento, prejudicando políticas públicas do SUS e com agravante em alguns casos, de sobrepor o direito individual ao coletivo.
A questão permeia o país e a intervenção dos magistrados em assuntos do SUS agora está sendo avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E para compreender um pouco mais sobre o tema, o Hospital de Clínicas da Unicamp através do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) promoveu com o Ministério Público do Estado de São Paulo e com Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Campinas, um evento de alto nível na última sexta-feira (18-11).
Cerca de 150 pessoas participaram do Simpósio Judicialização da Saúde: Contexto e implicações para os serviços públicos de saúde, realizado no auditório Desembargador Benedicto Jorge Farah, localizado na Cidade Judiciária de Campinas. O evento foi aberto pelo professor e coordenador do NATS-Unicamp, Joaquim Murray Bustorff-Silva com a mesa redonda Princípios e Financiamento do Sistema Único de Saúde e suas demandas judiciais.
No entender dos participantes a judicialização da saúde veio para ficar. Os motivos para o crescimento, segundo especialistas, vão desde a crise econômica – que despejou os usuários dos planos de saúde e minou os recursos para compra de medicamentos – até fraudes em remédios, passando por novos fármacos, só disponíveis no Exterior e cujos pacientes brigam pela importação.
Para a promotora de justiça da Capital e integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis – Área Saúde Pública, Aline Jurca Zavaglia Vicente Alves, o diálogo institucional é fundamental para incentivar o trabalho interdisciplinar entre judiciário, área médica e a razoabilidade nas decisões judiciais. “Médicos conhecem pouco do judiciário e nós pouco de saúde, mas estamos avançando”, destacou.
No entender do Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, Wagner Roby Gidaro, a judicialização em saúde compreende a provocação e a atuação do Poder Judiciário na garantia de plena eficácia e integridade do direito fundamental, citado no artigo 196 da Constituição, que assegura a saúde como “direito de todos e dever do Estado”.
Entretanto, diz, é preciso cumprir a lei com critérios objetivos para os encaminhamentos das ações, bem como a formulação de mecanismos de avaliação. “Esse evento é um importante divisor de águas para consolidar nossas análises com mais evidências e resoluções para ambos os lados. Estamos de portas abertas para conversar”, enfatizou Gidaro.
Embora prejudicial para o planejamento e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, a discussão sobre a judicialização tem resultado em soluções como a que foi apresentada no simpósio pelo promotor de justiça da Área de Direitos Humanos, Arthur Pinto Filho. Debruçado na área da Saúde desde 2009, o promotor de São Paulo também é membro do Fórum Nacional da Saúde Pública do CNJ, de onde nasceu uma das melhores soluções, ainda que incipiente, para tratar a judicialização no País.
Trata-se da criação de Comitês Estaduais da Saúde estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 238, de 6 de setembro de 2016. Esses comitês, também chamados de NAT-JUS dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais já existem em Alagoas, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Sul e são formados por médicos e profissionais de saúde de universidades.
Segundo o promotor Arthur Pinto Filho sempre que houver o encaminhamento de ações de Saúde, o comitê será responsável pela emissão de uma nota técnica, que caberá ao magistrado aceitar ou não. “Eu que desconhecia a complexidade que é a saúde em todas suas hierarquias, hoje vejo a Resolução nº 238 como um grande avanço para todos”, comenta Filho que acrescenta “Vale inclusive para a Comarca de Campinas que possui mais de uma vara de fazenda Pública”.
Prontamente ao encerramento do evento o coordenador do NATS-Unicamp e cirurgião Joaquim Murray Bustorff-Silva se colocou à disposição para estruturação dos Comitês Estaduais da Saúde no Estado. “Somos parte interessada como especialistas da saúde pública em orientar as decisões dos magistrados e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na maior eficiência da solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde”, disse Bustorff-Silva.
O superintendente do HC da Unicamp, João Batista de Miranda, também falou sobre o tema e elogiou o alto nível dos debates e a todos os envolvidos na organização do evento, inclusive o professor Luís Augusto Passeri, titular do Departamento de Cirurgia da FCM, que também esteve à frente da organização do evento. “Vamos fortalecer essa parceria com o Ministério Público do Estado de São Paulo e com Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Campinas para uma melhor razoabilidade nas decisões judiciais”, garantiu Miranda.
O evento contou ainda com a participação de profissionais da OAB, Defensoria Pública, Secretaria de Estado da Saúde, Secretaria de Saúde de Campinas, Santas Casas de Saúde, advogados, alunos de cursos de direito e profissionais da saúde em geral.
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Caius Lucilius com Isabela Mancini – Assessoria de Imprensa HC