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A pandemia do novo coronavírus mudou a rotina da UTI do HC Unicamp. Num dia normal, a equipe da UTI já cuidava de pacientes muito graves, que necessitavam de cuidados intensos após cirurgias complexas. Mas o Covid-19 trouxe novos desafios, cuidados e um aspecto que chamou a atenção da equipe de enfermagem: a necessidade de isolamento dos pacientes.

“Ver o paciente ali, literalmente, isolado de tudo e de todos, me fez enxergar que eu precisava intervir de alguma maneira”, disse a enfermeira Bruna Dias.

Dentro da UTI não se pode fazer uso de celular. Então, numa noite de plantão com a enfermeira Márcia Candura, Bruna lembrou-se de uma querida professora de Português, do ensino médio, que perdeu seu filho há alguns anos e escrevia textos fantásticos em suas redes sociais. Os textos sempre falavam de saber “abraçar por dentro”.

Num sábado, um familiar pediu que Bruna autorizasse a filha a ver a mãe. Por questões de segurança, um vidro separava a enfermeira do pai, aflito. Era cada um com sua angústia, dentro e fora da UTI. Lembrando de sua professora de Português, Bruna disse ao pai que a filha poderia escrever uma carta e que ela, Bruna, leria a mensagem lá dentro, mesmo com a paciente entubada e sedada.

A partir daí, com seu dom de aconchego, Márcia deixou uma caixinha do lado de fora do plantão da UTI e montou o Cantinho do Abraço Virtual onde os familiares podem escrever e deixar suas cartinhas, que são lidas por Bruna ao lado do leito do paciente, para ele sentir o “abraço por dentro”.

“Quando as ligações são separadas pelo adoecimento, isso leva a uma sensação de desamparo. Eu e Bruna pensamos em várias alternativas, mas a mais simples foi a boa a velha cartinha”, explicou Márcia.

Diariamente, das 16 às 17 horas, Márcia faz o acolhimento do lado de fora da UTI das famílias. Uns escrevem na hora, outros trazem as cartinhas no dia seguinte e Bruna, do lado dentro, faz a leitura para os pacientes. “A primeira carta eu não consegui ler de tanta emoção e um colega leu para a paciente”, revelou Bruna.

“Os pacientes entubados, esses nos surpreenderam. A cada carta era uma lágrima escorrendo no conato dos olhos, a frequência cardíaca e respiratória aumentando e, até mesmo, uma tentativa de mexer as mãos ou piscar os olhos”, completa Bruna.

O Cantinho do Abraço Virtual já rendeu lindas cartas com demonstração de amor em forma de palavras. Joyce Gabriele teve a mãe internada por 14 dias na UTI do HC Unicamp, entubada, sedada e com sonda. De acordo com Joyce, a mãe não estava aguentando ficar no isolamento, sem receber visitas e até pediu para o médico desligar os equipamentos.

De início, Joyce achou que a ideia de fazer cartinhas inútil, mas pelo contrário, ela percebeu que as cartas ajudaram, e muito, a mãe a superar o período de isolamento e o tratamento da Covid-19.

“Minha mãe recebeu as cartinhas e começou a chorar e se sentiu amada e confortada. Se não fosse as cartinhas que fizemos pra ela, ela já teria desistido da vida… Então, é uma forma de nosso familiar se sentir seguro e confiante lá dentro”, relatou Joyce sobre essa experiência.

Humanizar o hospital é uma determinação do Ministério da Saúde e atender o paciente em toda sua integralidade é uma das diretrizes Sistema Único de Saúde (SUS). “A linguagem é o meio de comunicação da nossa da humanidade e a carta é um dos mais antigos que existe…”, ponderou Márcia, pronta para receber mais cartinhas.

Mexida com toda essa experiência, Bruna afirma que passou a ver a vida por outro ângulo.

“Ler aquelas palavras com tanto amor, fé e carinho, ressignificou todo o que é a vida. A primeira carta foi inesquecível, a que falei acima, do pai que estava angustiado por notícias da esposa e me pediu para filha visitar a mãe na ala da Covid-19. Chorei muito quando li essa carta porque estava sensível com toda a situação da pandemia. Depois de passarmos por essas experiências, a gente começa a ver a vida de outra forma. É impossível não mudar”, conta.

A ideia implantada pelas enfermeiras do HC deu tão certo que as cartas, muito bem-vindas, passaram a fazer parte do tratamento dos pacientes da ala da Covid-19.

“Elas foram fundamentais na recuperação de muitas pessoas. Um exemplo é a devolutiva de uma paciente que não aguentava mais sofrer na luta contra a doença, tinha até pedido para que se desligasse o respirador. Ao receber a carta da filha, ela criou forças para enfrentar a situação e após um longo período de internação, foi curada e teve alta”, diz.

Questionada como se sente por participar de um projeto tão bonito, Bruna é direta.

“Nós, profissionais de saúde, sairemos mais humanos dessa pandemia. Não basta ser tecnicamente bom e seguir protocolos. É preciso mais! Precisamos de empatia para cuidar dos outros, de muito amor e isso nós estamos conseguindo”, conclui.


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Texto: Edimilson Montalti
Assessoria de imprensa da FCM Unicamp

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