Em meio à pandemia da COVID-19 no planeta, um nome viralizou nos últimos 18 meses nas redes sociais, noticiários e até nas conversas informais entre as pessoas: ventiladores pulmonares. Entretanto, a maioria da população e até mesmo de profissionais da saúde, não imaginam a intensa rotina que uma unidade respiratória precisa para cuidar da higienização, manutenção, teste, logística e gerenciamento de todos esses aparelhos dentro de um hospital.
Mas alguma vez vocês já se perguntaram como tudo isso acontece? O ventilador mecânico ou pulmonar é um equipamento de alto valor agregado, empregado quando a capacidade de um paciente respirar espontaneamente é reduzida, como ocorre com o novo coronavírus. A tecnologia do aparelho permite bombear oxigênio, monitorar os parâmetros vitais e estabelecer medidas de ventilação adequada ao paciente.
A Unidade Respiratória do Hospital de Clínicas da UNICAMP é quem cuida de tudo isso, seja um ventilador invasivo ou não invasivo, além de outros 800 equipamentos de alto valor de mercado como bombas de infusão, monitores multiparamétricos etc. O serviço funciona 24 horas, sete dias por semana e mantém uma equipe de 18 profissionais que cuidam de aparelhos montados em todas as UTIS, na Unidade de Emergência Referenciada, no centro cirúrgico, nas unidades de procedimentos e em algumas enfermarias.
De acordo com a gerente da área, enfermeira Bruna Parizotto, ficou evidente quando começaram os casos em março do ano passado, que a Unidade Respiratória teria pela frente o maior desafio desde a sua criação. “Obviamente, seguimos à risca o que já havia sido colocado em prática em outros países, com a adoção de vários protocolos de limpeza, testes ou mesmo, de manuseio para cuidados à exposição das equipes médicas, de enfermagem e fisioterapeutas com pacientes COVID-19”, relata.
Quem reitera essa rotina é a enfermeira Luciana M .C. Monteiro Saran, há 11 anos na área. Ela comenta que quando a doença dominou o mundo, houve muita preocupação com o desconhecido Sars-CoV-2, causador da pandemia. “Quando tudo começou ainda estavam na caixa 40 ventiladores recém adquiridos da Air Liquid por cerca de R$ 3 milhões e uma das prioridades foi acelerar a montagem dos equipamentos e treinamento das equipes para o enfrentamento do que estava por vir”, recorda Saran.
A pandemia evidenciou a importância da estrutura de uma Unidade Respiratória dentro da instituição e que não é uma realidade na maioria dos hospitais públicos ou mesmo particulares. A maioria deles mantém os aparelhos instalados dentro dos leitos e o serviço de higienização, manutenção e testes é terceirizado. No HC, a equipe da UR é quem entrega ou busca os equipamentos nas unidades dentro hospital, tudo com rastreabilidade.
“Aqui no HC ficou estabelecido, e vale até hoje, que para pacientes COVID-19 que chegassem através da emergência, o aparelho destinado seria com baterias mais novas, para assegurar seu uso até a transferência para um leito de UTI. Com isso, se elimina o risco de secreção de vírus na desacoplação do aparelho”, explica a enfermeira Erika Rosa Zanchetta.
ROTINA – A pandemia intensificou o trabalho da Unidade mas a direção do hospital não precisou alugar ventiladores. O parque tecnológico dispõe hoje de 130 ventiladores pulmonares invasivos, 13 não invasivos e cinco de transporte, que são exclusivos para uso no traslado de pacientes em macas ou camas entre áreas, ou para fazer exames. “Felizmente nesta pandemia não precisamos alugar aparelhos e ainda emprestamos para vários hospitais públicos da região”, lembra a enfermeira Érika
Tudo começa quando a área onde o paciente será internado aciona a Unidade Respiratória indicando o suporte do equipamento. Os equipamentos saem lacrados e prontos para o uso pela equipe de intubação, de acordo com a configuração: adulto ou pediátrico. Com exceção dos casos de urgência, todos aparelhos deixam a Unidade Respiratória com o nome do paciente e sua matrícula.
“Nos casos de urgência, o aparelho segue até o paciente que depois recebe o cadastro com número do HC e nome do paciente que está em uso”, esclarece a enfermeira Luciana. Um sistema de rastreabilidade identifica o local e quantidade em uso – modelo, nome do paciente, o horário que entrou o ventilador, o horário que começou a sair do ventilador e horário que deixou de ser utilizado.
Ao ser desacoplado do paciente é inserido a baixa no aparelho no sistema de gerenciamento, que é retirado por um profissional da Unidade. O processo de higienização começa com a desmontagem dos traquéias, válvulas e sensores, que dependendo do material são higienizados previamente através de limpeza manual com solução de quaternário de amônio.
Os acessórios que não são submetidos a higienização manual, são encaminhados à Central de Desinfecção para serem submetidos a desinfecção de alto nível, assim como processo de secagem e embalagem. As traquéias dos ventiladores mecânicos e membranas internas do equipamento também são desinfectadas.
Após o processo de higienização, os aparelhos são montados, e finalmente são testados em um equipamento conhecido como pulmão de teste (foto abaixo), que simula diferentes tipos de complacência e resistência pulmonar. Depois disso, o aparelho recebe um filme de PVC para proteção em toda superfície e então é lacrado. “Caso não tenha sido usado mas o lacre está rompido, ele passará por todo processo novamente a fim de garantir 100% a segurança do paciente”, esclarece Saran.
Em uma rotina normal, todo o processo entre a chegada para higienização e a disponibilização para uso pode levar até 4 horas. “Mas nos momentos de pico da pandemia esse tempo caiu pela metade”, comenta a enfermeira Bruna. Qualquer necessidade de troca de acessórios é a equipe da Unidade Respiratória.
“Nós temos a visão em tempo real do hospital inteiro e conseguimos saber quando situação começa a apertar para uma busca ativa mais rápida de equipamentos que não estão em uso”, explica a enfermeira Luciana. Durante os dois picos da pandemia, o hospital chegou a ter mais 90 ventiladores em uso simultâneo, situação próxima da reserva técnica de segurança.
Em 2019, a Unidade Respiratória do Hospital de Clínicas da UNICAMP foi agraciada com o prêmio de melhor trabalho em A3, no VIII Lean Six Sigma Congress, realizado no Rio de Janeiro. O trabalho premiado foi realizado buscando as soluções e a melhoria contínua na padronização das atividades na área.
A Unidade Respiratória foi criada oficialmente em 1985, a princípio como anexo da unidade de terapia intensiva adulto, porém no decorrer dos anos, conquistou espaço próprio devido a crescente de equipamentos gerenciados e a fim de garantir a segurança do paciente nos processos relacionados a utilização de tecnologia.