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Mais um passo nas pesquisas sobre predisposição à epilepsia generalizada

Cepid Brainn é a única instituição da América Latina a participar do estudo publicado na Nature

Um artigo publicado na revista Nature e de cuja elaboração participaram cientistas da Unicamp apresentou o mais completo estudo sobre a arquitetura genética das epilepsias, campo que estuda como se distribuem as bases genéticas das características observáveis de um organismo. Com a colaboração de mais de 350 autores de todos os continentes, a pesquisa fez uma análise conjunta e multiétnica de dados genéticos de quase 30 mil pacientes com epilepsia – além de 50 mil pacientes-controle – obtidos das bases de diferentes grupos que já atuavam com o tema e buscou responder a questões como quantos e quais são os locais no genoma de predisposição para a doença, além de saber se existem aspectos em comum entre os diferentes tipos da enfermidade.

A Unicamp, a única instituição da América Latina a participar do estudo, fez isso por meio do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês), um centro multidisciplinar voltado a estudar doenças neurológicas – especialmente epilepsia e acidentes vasculares cerebrais (AVC) – e que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Para tanto, o Cepid Brainn, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) realiza investigações em diversos níveis, como nas áreas de exames de imagem, reabilitação de pacientes e genética, com o intuito de produzir conhecimento, formar recursos humanos e desenvolver tecnologia aplicada à melhoria da qualidade de vida da população.

De acordo com a pesquisadora do Brainn e médica geneticista do Hospital de Clínicas (HC) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Íscia Lopes Cendes, uma das autoras do artigo, a realização de uma análise tão compreensiva sobre a arquitetura genética da epilepsia fez-se possível somente por conta do número extraordinário de participantes oriundos de partes diferentes do mundo, fato bastante relevante já que a constituição genética dos indivíduos pode diferir de acordo com a sua origem geográfica.

“Muitos dos estudos anteriores a respeito de várias doenças foram realizados predominantemente em populações europeias. Essa é a primeira vez que temos um estudo, principalmente no caso das epilepsias, com populações tão diversas”, alega Íscia.

A Unicamp contribuiu para a pesquisa com dados gerados por estudos desenvolvidos dentro do Cepid Brainn, bem como com a expertise técnica para a realização de análises estatísticas na área de bioinformática e para a análise de dados genômicos, uma especialidade do Laboratório de Genética Molecular da professora Íscia. Além disso, membros do instituto participaram das reuniões mensais realizadas pela Liga Internacional Contra a Epilepsia (Ilae, na sigla em inglês) – primeira autora do estudo –, uma entidade formada ainda em 2014 para discutir as estratégias de elaboração da pesquisa, incluindo correções de rumo, mecanismos de controle de qualidade e até a própria escrita do artigo.

A pesquisa constatou que a arquitetura genética das epilepsias é muito complexa, identificando 26 pontos no genoma que apresentam significância estatística robusta para predisposição à epilepsia generalizada, um tipo de epilepsia que afeta os dois lados do cérebro. Com esses dados em mãos, os autores chegaram a uma lista de genes candidatos a orientar estudos futuros sobre a doença, além de analisarem possíveis compostos com potencial para serem utilizados como medicação para corrigir a assinatura de expressão gênica, modificada em pacientes com epilepsia.

Íscia lembra que essa é uma doença que acomete entre 1% e 2% da população mundial, das quais um terço não responde adequadamente às medicações atualmente disponíveis.

“Então essa é uma estratégia muito interessante porque eles chegaram a uma lista que pode ser potencialmente testada em diferentes modelos e eventualmente em estudos clínicos porque muitos desses compostos já foram aprovados para uso humano no caso de outras doenças. Isso encurta o caminho para testar alternativas ao tratamento usual das epilepsias, especialmente as generalizadas, para as quais não existe um foco específico sobre em que local fazer uma cirurgia”, explica.

Por outro lado, os pesquisadores não encontraram na análise genética pontos estatisticamente relevantes para as epilepsias focais – que têm origem em apenas um lado do cérebro. Ainda assim, foram identificados pontos que sugerem a possibilidade de uma localização genética, o que aponta para a necessidade de dar continuidade aos estudos sobre o tema. Essa é uma linha que Íscia tem desenvolvido em seu laboratório, com estudos sobre a epilepsia de lobo temporal mesial, um tipo de epilepsia focal em que quase dois terços dos pacientes são altamente refratários ao tratamento medicamentoso.

Embora não possua um número de participantes tão numeroso quanto o do estudo recentemente publicado na Nature, a linha que a pesquisadora vem desenvolvendo revela-se muito bem caracterizada do ponto de vista fenotípico. A docente explica que uma variação de apresentação clínica pequena é algo positivo porque permite concentrar os grupos de forma a facilitar o encontro de resultados relevantes.

“Trata-se de estratégias diferentes. Em uma você estuda o maior número possível de pessoas, o que foi feito nesse trabalho da Nature, e em outra você refina o fenótipo para ver se encontra algo em um subgrupo específico. Então, nós temos trabalhado muito com essa segunda estratégia, a de refinar o fenótipo, o que seria uma continuação desse estudo que acabou de ser publicado”, finaliza a médica geneticista da Unicamp.


Texto originalmente publicado por Paula Penedo no Portal da Unicamp
Edição de texto: Edimilson Montalti – Núcleo de Comunicação HC Unicamp
Fotografia: Antonio Scarpinetti | Divulgação Cepid-Brainn

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