Na data em que comemora o Dia Internacional de Combate as Drogas – 26 de junho, a médica psiquiatra Renata Soares de Azevedo alerta para questões importantes relacionadas ao consumo abusivo de drogas lícitas e ilícitas. Segundo a coordenadora do ambulatório Substâncias Psicoativas do Hospital de Clínicas da Unicamp (ASPA-Tabagismo), o avanço do crack, atingindo populações cada vez mais jovens, assim como os altos índices de dependência de tabaco e álcool no Brasil são pontos que devem ser discutidos nesta data. No HC cerca de 400 pacientes de Campinas e região são atendidos por mês nos diversos grupos que acontecem no ambulatório.
O crack surgiu no Brasil no final da década de 80. Na época, muitos usuários de cocaína, com o intuito de potencializar do efeito da droga, passaram a utilizá-la de forma injetável. O uso compartilhado de agulhas e seringas acarretou em um número muito alto de contaminações pelo vírus do HIV e hepatite. Neste mesmo momento, surgiu no mercado o crack, substancia obtida a partir de uma mistura de cocaína, água e bicarbonato de sódio. Segunda Renata, a fumaça produzida durante a queima das pedras de crack, como são vulgarmente chamadas, chega ao sistema nervoso central em dez segundos, cerca de 10 vezes mais rápido do que a cocaína injetável e 100 vezes mais rápido do que a cocaína quando inalada, sendo uma droga extremamente dependogênica.
Embora o crack seja uma droga mais barata que a cocaína o usuário precisa de mais doses para se manter. Isso acontece porque a sensação de prazer liberada no corpo após o consumo da droga dura um curtíssimo período de tempo, levando o indivíduo a fazer uso da substância de forma compulsiva até que se acabe toda droga que ele possui naquele momento. Segundo Renata, no momento da “fissura”, período em que o dependente não possui o crack para consumir é que acontecem os casos de assalto e prostituição para sustentar o vício. “Por isso esta droga é tão associada à criminalidade e atividade sexual de risco”, afirma Renata.
Atualmente, acredita-se que 0,6% da população brasileira já tenha experimentado crack e este número tem aumentado em populações jovens. Fato que preocupa, pois em crianças além da dependência rápida gerada pela droga e os malefícios ao organismo, em geral ainda em formação, há uma substituição de valores, em que a única e exclusiva forma de prazer e felicidade se torna o uso do entorpecente. Embora o avanço do crack e o crescente surgimento de novas drogas sintéticas assustem, os números que envolvem drogas lícitas ainda são altíssimos. Estima-se que 12% da população brasileira seja dependente de álcool e que quase 30 milhões de brasileiros sejam viciados em tabaco.
O HC atende em média 40 dependentes de tabaco por semana em um grupo de motivação e acolhimento para usuários de tabaco que acontece todas as quartas-feiras, às 9h30 da manhã no ASPA. Embora seja um grupo aberto ao público, em geral são mulheres, acima dos 40 anos de idade, de escolaridade fundamental, com mais de 30 anos de tabagismo e que apresentam comorbidade clínica. “As mulheres costumam procurar ajuda, os homens são mais relutantes”, explica Renata. O paciente pode freqüentar o grupo por quantas semanas achar necessário, recomenda-se que por pelo menos quatro, antes de decidir que vai realmente parar de fumar.
Ao tomar a decisão, este paciente é encaminhado para uma consulta clínica, em que é feito um histórico do paciente e exames laboratoriais. Nesta consulta ele irá marcar uma data para deixar o cigarro. A partir deste ponto o paciente é encaminhado para um grupo de tratamento, com duração de 8 a 10 semanas, nele o paciente estará parando ou já terá parado de fumar. No final do tratamento ele é convidado a participar uma vez por mês no grupo motivacional, com intuito de ajudar os novos ingressantes.
Em média, 30% das pessoas que participam do grupo motivacional param de fumar e 72% dos que realizam todo o tratamento (grupo motivacional, consulta clínica e grupo de tratamento) deixam o tabagismo. Uma pesquisa realizada pela equipe ASPA Tabagismo em 2009 comprovou que 60% dos pacientes que deixaram de fumar no ambulatório ainda se mantinham longe do vício após dois anos. O ASPA estabelece como critério para o tratamento a dependência; que consiste em apresentar pelo menos três características entre: compulsão, perda de controle a partir do início do uso da droga, tolerância à substância química,sintomas de abstinência, prioridade e minimização de prejuízos; ou alguma comorbidade clínica, como cirrose, câncer de pulmão, HIV; ou alguma doença psiquiátrica.
“O dependente é muito impulsivo, quando eles chegam ao ambulatório querem parar naquele momento e não tem como esperar uma vaga daqui um mês”, afirma Renata. Por isso, a equipe precisa ser muito ágil e o grupo de acolhimento a dependentes químicos (álcool e drogas ilícitas) acontece todas as quartas-feiras, às 7h30. É nele que o médico avalia a urgência daquele paciente e marca a consulta clínica.
Ao mesmo tempo em que acontece o grupo de acolhimento, também é realizado no ambulatório um grupo para familiares de dependente químicos, sendo que o familiar não precisa estar fazendo o tratamento para que a família possa freqüentar o grupo. Durante a manhã de quarta-feira, ainda há um grupo informativo que discute por meio de exposição temas ligados ao uso de drogas: o que é dependência, saúde mental do dependente químico, tratamento farmacológico, entre outros.
Além destes grupos, há um de prevenção de recaída, em que o ex-dependente deve freqüentar por cinco semanas, iniciando sempre na primeira semana do mês. No fim da manhã a equipe realiza seminários, em que os médicos residentes expõem assuntos relacionados ao uso de drogas, por meio de estudo de artigos e pesquisas atuais aos demais profissionais da equipe.
Há também no ASPA um trabalho de capacitação de profissionais da área de saúde pública. Equipes dos centros de saúde de Campinas e região passam um mês freqüentando o ambulatório todas às quartas-feiras e se comprometem em aplicar o que aprenderam no HC em seus centros, implantando o tratamento a dependentes químicos nas unidades. Circulam pelo ASPA cerca de 80 pessoas por quarta-feira, além da equipe com três médicos, um psicólogo, duas enfermeiras, nove alunos do quarto ano de medicina e nove residentes, entre psiquiatria, neurologia e medicina de família.
A equipe do ambulatório também têm profissionais responsáveis em entrar em contato com pacientes usuários de drogas egressos da Unidade de Emergência Referenciada (UER). “Ao fazer o uso exagerado da droga, alguns dependentes precisam de cuidados médicos e chegam aqui na UER. Após a alta é importante que alguém entre em contato para saber se aquele paciente foi encaminhado para algum tratamento e se procurou o centro. Este momento é muito importante, pois alguns se assustam com o que aconteceu e querem sair das drogas”, afirma Renata.
Caius Lucilius com Yasmine de Souza