Técnica de transplante usa fígado ‘descartado’


Uma nova técnica de transplante, inédita na região e realizada pela primeira vez no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), amplia as possibilidade de atendimento para pacientes com doenças hepáticas. Trata-se do transplante repique, também conhecido como transplante dominó, um procedimento que permite fazer dois transplantes ao mesmo tempo e indicado para doenças como câncer de fígado e cirrose causada por hepatite B.

A coordenadora da Unidade de Transplante de Fígado e Pâncreas da Unicamp, Ilka Santana Boin, explica que nesse tipo de cirurgia é retirado o fígado de pacientes que têm uma doença específica — polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) —, e transplantado outro órgão de um doador que já morreu. Simultaneamente, o fígado do paciente de PAF, em boas condições, exceto por uma deficiência enzimática, é transplantado em outro paciente da fila de transplantes. A prática foi regulamentada por portaria do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde no dia 19 de julho de 2007

Segundo Ilka, a PAF é uma doença metabólica hereditária, caracterizada pela deposição nos nervos periféricos de uma fibra amiloide (pré-albumina anômala), produzida por uma deficiência enzimática do fígado. “Exceto pelo defeito metabólico, o fígado funciona normalmente e pode ajudar pacientes com câncer de fígado, por exemplo”, explica a médica. Ela salienta que o transplante desse fígado transfere o defeito metabólico para o receptor. Entretanto, como a evolução natural da doença é lenta (mais de 15 anos até o aparecimento de sintomas), o método garante uma sobrevida prolongada e de boa qualidade aos pacientes com graves problemas hepáticos. “O receptor de um fígado de paciente de PAF tem que ter mais de 40 anos. Como em geral, a indicação atinge pacientes acima dos 50, o transplante garante uma sobrevida com qualidade para pacientes com pequena expectativa de vida (menos de 1 ano) sem o transplante”, afirma.

No Brasil, foram realizados nove transplantes repiques até agora, contando o que foi feito no HC. O primeiro procedimento na região foi realizado no dia 10 de abril. A paciente que tinha PAF tem 37 anos e sua receptora, 53 anos. Ambas receberam alta cerca de uma semana depois da cirurgia e se recuperam bem em casa, com acompanhamento ambulatorial, como ocorre nos transplantes hepáticos. “A senhora que recebeu o fígado PAF estava com cirrose por hepatite B e câncer de fígado, as principais indicações para esse tipo de transplante, justamente por aumentar a sobrevida quando se trata de doador vivo”, explica Ilka.

A especialista destaca que tanto os doadores como os receptores do transplante repique são devidamente informados das condições do procedimento. Os candidatos a repique assinam o consentimento para o transplante e os pacientes com PAF têm que autorizar a utilização de seu órgão para o transplante simultâneo.
 

Delma Medeiros com Caius Lucilius e Marita Siqueira 

Agência Anhanguera e Assessoria de Imprensa HC Unicamp