Conteúdo principal Menu principal Rodapé

Pesquisas da Disciplina de Cirurgia do Trauma da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp acabam de ser publicadas na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e no World Journal of Emergency Surgery. No total, são oito artigos que focam desde o trauma hepático e o diagnóstico pós-traumático de hérnia diafragmática até acidentes fatais com motocicletas e a utilização da telemedicina como ferramenta para o ensino e capacitação de alunos e médicos. À frente de todas as pesquisas está o médico Gustavo Pereira Fraga (Foto), do Departamento de Cirurgia da FCM.

Os trabalhos foram apresentados durante a primeira edição do Congresso Mundial do Trauma, do X Congresso da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT) e do XIV Congresso Brasileiro das Ligas do Trauma (CoLT), ocorridos no final de agosto no Rio de Janeiro. Os eventos receberam um público de 3.500 participantes de 50 países, com 72 palestrantes internacionais.

A palavra trauma vem do grego trauma (plural: traumatos, traumas), cujo significado é “ferida”. A terminologia trauma, em medicina, admite vários significados, todos eles ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atingem indivíduos neles envolvidos, produzindo-lhes alguma forma de lesão ou dano.

O trauma representa um problema de saúde pública no Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), em 2010 o Brasil registrou 143.256 mortes por causas externas, como acidentes de trânsito, queimaduras, homicídios, entre outros, 21% a mais do que em 2000. As causas externas correspondem a 12,9% das mortes registradas no país. É a terceira causa de óbitos entre os brasileiros – perde apenas para as doenças do aparelho circulatório (29%) e cânceres (16%).

Ainda segundo dados do Ministério da Saúde, 36% dos óbitos por fatores externos têm como principal causa a violência urbana. Em 2010, o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM/MS) notificou 52.260 homicídios. Em seguida, vêm os acidentes de trânsito, com 42.884 casos notificados (30%). O sexo masculino responde por 82,5% dos óbitos notificados por causas externas.

“Atualmente, temos trabalhado com estudos clínicos na área de epidemiologia, diagnóstico e tratamento de lesões traumáticas. Temos parcerias com outras disciplinas e departamentos. Também temos projetos de redução de acidentes, principalmente no trânsito, em consequência do consumo de bebida alcoólica. Isto já constitui uma nova linha de pesquisa, assim como os estudos sobre ensino na área de suporte básico de vida, ensino médico, prevenção e telemedicina. Temos de oito a dez assistentes atuando em pesquisa. Alguns deles são alunos de doutorado e mestrado. Os cinco médicos-residentes da disciplina também realizam pesquisas. Sempre temos de dois a três alunos com bolsa Fapesp e a Liga do Trauma, que a cada ano recebe 20 novos alunos, serve como estímulo para que eles frequentem o HC a partir do quarto semestre do curso e se envolvam nos projetos”, revelou Fraga.

Pesquisas

Para examinar os resultados de trauma hepático e comparar o tratamento cirúrgico e não cirúrgico em pacientes internados com estabilidade hemodinâmica e sem indicações de laparotomia, Thiago Messias Zago fez um estudo retrospectivo em 120 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Do total, 65 pacientes não operados foram tratados e 55 pacientes foram submetidos à cirurgia.

Thiago observou que os pacientes operados sem indicações óbvias para a cirurgia tiveram maiores taxas de complicação e mortalidade do que os pacientes não operados. A abordagem não cirúrgica resultou em complicações mais baixas, uma menor necessidade de transfusões de sangue e menor mortalidade dos pacientes.

Na mesma linha de pesquisa, Thiago estudou o tratamento não cirúrgico para pacientes com grau quatro de trauma hepático. A taxa de mortalidade para as lesões do fígado de grau quatro envolve hematoma interno e sangramento e varia de 8% a 56%, de acordo com a literatura internacional. O tratamento de lesões hepáticas complexas continua a ser um desafio para os cirurgiões.

De 1996 a 2011, período do estudo, 754 pacientes com trauma hepático foram admitidos no HC. Deste total, 294 dos pacientes tiveram trauma hepático fechado e 80 preencheram os critérios da pesquisa. Dezoito pacientes foram classificados como tendo uma lesão hepática grau quatro.

“Em nossa experiência, tratamento não cirúrgico de lesão hepática grau quatro para pacientes vítimas de trauma fechado e estáveis hemodinamicamente está associado a altas taxas de sucesso, sem complicações significativas”, disse Thiago.

Uma simples radiografia de tórax para o diagnóstico pós-traumático de hérnia diafragmática pode ser uma ferramenta de grande utilidade para o médico. É o que aponta pesquisa conduzida pelo médico-assistente Elcio Shiyoiti Hirano.

Entre janeiro de 1990 e agosto de 2008, 45 pacientes com hérnia diafragmática pós-traumática foram tratados pela equipe da cirurgia do trauma da FCM. Para descrever as mudanças no exame radiográfico do tórax nesses pacientes, Hirano analisou dados demográficos, causa da lesão, mudanças na radiografia de tórax, extensão e localização da lesão diafragmática da hérnia e órgãos.

“O estudo mostrou que o raio-x de tórax é muito útil na abordagem inicial de diagnóstico para hérnia diafragmática pós-traumática. A dificuldade é que as lesões diafragmáticas, especialmente após trauma penetrante, podem, inicialmente, passar despercebidas, dificultando o diagnóstico”, alertou Hirano.

Os números de motocicletas aumenta em todo o mundo, assim como o de acidentes fatais. Em Campinas, não é diferente. Carlos E. Carrasco analisou todos os acidentes de moto com vítimas fatais entre janeiro de 2001 e dezembro de 2009 em Campinas. Os dados oficiais foram coletados a partir de relatórios da polícia e de hospitais.

De acordo com a pesquisa, no período houve 479 mortes; 90,8% eram do sexo masculino, a idade média foi de 27,8; 86,4% eram condutores dos veículos; álcool no sangue foi registrado em 42,3%; 49,7% morreram em um hospital e 32,6% perderam a vida no local do acidente; 26,1% dos acidentes ocorreram durante a noite; e 69,1% eram urbanos e 30,9% ocorreram em rodovias. As principais causas de lesões foram colisões (63%) e quedas (14%). No que diz respeito a lesões, traumas na cabeça (67%) e trauma torácico (40%) foram os mais comuns, seguidos por trauma abdominal (35%). A lesão cerebral traumática (67%) e o choque hipovolêmico (38%) foram as causas mais frequentes de morte.

“O álcool foi um fator significativo em relação aos acidentes. Trauma na cabeça foi a lesão mais frequente e grave. Metade das vítimas morreu antes de receber atenção médica adequada, o que sugere que os programas de prevenção e as leis devem ser implementadas e aplicadas a fim de salvar vidas futuras”, disse Carrasco.

Para os envolvidos em acidentes de trânsito ou em qualquer outro tipo de trauma, a agilidade no transporte do paciente é fundamental. Ricardo A. T. Gonzaga, do Departamento de Cirurgia da Escola Integrada de Medicina Padre Albino e pós-graduando da FCM da Unicamp, comparou dois sistemas de atendimento pré-hospitalar em Catanduva, SP: o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ou 192 e o Grupo de Brigada de Incêndio do Corpo de Bombeiros (CB).

Na pesquisa, foram incluídos 850 pacientes. A maioria deles era de homens (67,5%) e a idade média variou de 38,5 a 18,5 anos. Em relação ao uso de sistemas de pré-hospitalar, 62,1% dos pacientes foram transportados pelo Samu. Os acidentes de moto representaram 32,7% dos casos, seguidos pelas quedas, com índice de 25,8%. Em relação ao tempo de resposta, o Grupo de Brigada de Incêndio apresentou as menores taxas. Em relação à evolução do paciente, apenas 15,5% necessitaram de internação.

“Vítimas de trauma são predominantemente jovens e do sexo masculino. Os acidentes de moto representaram a maioria dos casos de trauma. O Corpo de Bombeiros respondeu mais rapidamente do que o Samu e não houve diferença estatística entre os serviços do Samu e do CB em termos de gravidade do trauma e as taxas de mortalidade”, observou Gonzaga.

As chances de ocorrer um derrame na cavidade torácica e pulmões é grande em caso de colisão. João Baptista de Rezende-Neto, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e chefe da Cirurgia de Trauma e Urgências do Hospital Risoleta Tolentino Neves, de Belo Horizonte, MG, em parceria com a equipe da Disciplina da Cirurgia do Trauma da Unicamp, pesquisou as recomendações “baseadas em evidência” para a condução do hemotórax residual pós-drenagem pleural em pacientes com trauma toráxico.

“O hemotórax residual após traumatismos contribui significativamente para o aumento do tempo de internação, dos custos hospitalares e é causa importante de morbidade. As modalidades atuais para o tratamento do hemotórax residual são bastante variadas. As mais empregadas são tratamento conservador com observação apenas, punção torácica guiada, colocação de um segundo dreno torácico, injeção intrapleural de agentes fibrinolíticos, videotoracoscopia e a toracotomia ou pleurostomia”, mencionou Rezende-Neto.

Inserção internacional

Fundada pelo professor Mario Mantovani, a Disciplina de Cirurgia do Trauma completa 25 anos em 2012 e sempre manteve um foco na pesquisa, assistência e ensino. Fraga atribui o crescimento da produção científica a maior inserção internacional da disciplina, iniciada em 2007 após pós-doutorado na Universidade da Califórnia, San Diego, coordenado pelo professor Raul Coimbra. Outros fatores também contribuíram: em 2008, Campinas foi sede do Congresso Panamericano de Trauma; há discussões de artigos via telemedicina com o professor Sandro Rizoli, da Universidade de Toronto, que participou do projeto professor pesquisador visitante em 2011; e, atualmente, a disciplina recebe o professor Antonio Capone Neto, do Hospital Israelita Albert Einstein, por meio de um projeto da Pró-Reitoria de Graduação.

Outros fatores determinantes para maior produção de pesquisas, segundo Fraga, foram a abertura da UTI do Trauma no HC Unicamp, que além de melhorar a assistência aos doentes, permitiu a contratação de mais profissionais, e as reuniões semanais com a Universidade de Miami por meio da telemedicina, tecnologia que está revolucionando a forma como os profissionais de saúde obtém informações.

Em atendimento ao trauma, as equipes de médicos e outros clínicos frequentemente contam com um fluxo de informações usando uma infinidade de modos de comunicação. Um deles é a telemedicina. Novas técnicas cirúrgicas e procedimentos, com ênfase em protocolos de atenção ao trauma e medicina baseada em evidências, podem ser transmitidas de um centro especializado localizado nos Estados Unidos, por exemplo, para outros países, ao mesmo tempo.

O Ryder Trauma Center, da Universidade de Miami, juntamente com várias instituições ao redor do mundo, estabeleceram o “Trauma Internacional Tele-Grand Rounds”. Por meio de videoconferência, apresentam casos de traumas complexos, e tópicos avançados de cuidados críticos são discutidos semanalmente. Atualmente, 42 instituições dos Estados Unidos, Brasil, Colômbia, Bahamas, Haiti, Canadá, Venezuela, Argentina, Panamá, Porto Rico, República Dominicana, Ilhas Virgens Britânicas, Eha, Tailândia, Turquia e Iraque participam do projeto, dentre elas a Disciplina de Cirurgia do Trauma da FCM que, em dois anos, participou de mais de 100 reuniões e relatou suas experiências no Hospital de Clínicas da Unicamp.

“A apresentação de casos proporciona aos alunos, residentes, e médicos assistentes, uma excelente ferramenta para a educação e compartilhamento de experiências na área de cirurgia do trauma e emergência. A partir dos resultados do sucesso do programa, a telemedicina é agora uma parte integrante do currículo da residência”, explicou o médico Antonio C. Marttos, da Universidade de Miami, um dos autores do artigo “Melhora mundial de educação sobre trauma através da telemedicina”, juntamente com Fernanda M. Kuchkarian, da mesma Universidade.

De acordo com a pesquisa “A produção científica no trauma de um país emergente” do professor Gustavo P. Fraga, o número de artigos publicados em revistas brasileiras por cirurgiões brasileiros em cirurgia e trauma tem experimentado um crescimento linear ao longo dos últimos 14 anos. As principais características dos cirurgiões brasileiros que escrevem artigos em trauma podem ser descritos, segundo Fraga, como alguém que vive no Sudeste do Brasil, provavelmente no Estado de São Paulo, e se formou médico há mais de 16 anos.

O estudo seguiu a identificação e classificação dos manuscritos e seus autores a partir de bancos de dados como PubMed , Scielo e Plataforma Lattes e sites como o Google, além da lista dos membros da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT). Foram aplicados testes estatísticos para comparar os períodos de 1997 a 2003 e 2004 a 2010.Também foram analisadas as seguintes variáveis: fator de impacto dos periódicos em que foram publicados os manuscritos, origem regional dos autores, o tempo desde a graduação, e realização de pós-doutorado no exterior.

O crescimento observado no número de publicações acompanha o crescimento econômico do país e os investimentos feitos pelo governo brasileiro em pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos. Parceria e cooperação internacional para o desenvolvimento da ciência também são pontos observados na pesquisa.

“O aumento de trabalhos científicos em cirurgia do trauma é, provavelmente, o resultado de um crescimento global em investigação e desenvolvimento e menos devido ao crescimento específico dos casos de trauma”, disse Fraga.

Edimilson Montalti
Assessoria de Imprensa da FCM

Ir para o topo